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A Ferrovia do Diabo!

Quinta-feira, 28 Fevereiro de 2019 - 16:17 | por José Felinto*


A Ferrovia do Diabo!

Século XIX, a Europa vivia sob a égide da II Revolução Industrial. A indústria automobilística ascendia, mas parte do sucesso dessa indústria só era possível devido a goma elástica produzida na Amazônia. Em 1844 o inglês Charles Goodyear criou o processo de vulcanização da borracha.

Parte da produção mundial de látex encontrava-se nos seringais bolivianos, a Bolívia por sua vez produzia, mas não dispunha de rota viável de escoamento dessa produção, pois os seringais estavam em regiões pouco habitadas e, portanto, não dotado de infraestrutura necessária para escoar essa produção.

A solução? Pegar um atalho no território do país vizinho para chegar até o Atlântico.

Ainda na primeira metade do século XIX (1846), José Justin Palácios sugeriu que o governo boliviano criasse uma rota para o Atlântico cruzando a bacia amazônica, aqui surge a ideia de construir uma ferrovia.

Em contraponto a Palácios, Quentin Quevedo sugeriu que o trecho encachoeirado do Madeira poderia ser canalizado, permitindo assim a navegação pelo Madeira que por sua vez alcançaria o Mamoré, era 1861.

Em 1867 Brasil e Bolívia assinam o Tratado de Ayacucho. Segundo esse Tratado a Bolívia ficava livre para navegar também pelo Rio Madeira.

O mundo vivia sob a influência do Imperialismo. Na América, de maneira especial os EUA faziam sua presença ser sentida através do seu poderio econômico e manutenção da hegemonia política, fato que se tornou claro e evidente com a Doutrina Monroe e o Big Stick.

Nesse contexto, George Earl Church, no ano de 1868, recebe a concessão de explorar a navegação em rios bolivianos.

Apenas dois anos se passaram e Earl Church recebe a concessão de uma ferrovia do Imperador brasileiro. Surgia assim a National Bolivian Navigation Company, foi fundada em Nova York. Em março de 1871 A Madeira and Mamoré Railway Company Limited foi incorporada como uma subsidiária da National Bolivian Navigation Company. O empreendimento deveria ser bancado pelo governo boliviano, mediante empréstimos junto a bancos ingleses. A saga homérica da construção da Madeira Mamoré estava apenas começando.

Em 1872, após a obtenção de empréstimo, Church contrata a empresa londrina Public Works Construction Company. No mesmo ano a Madeira Mamoré Raylway Company obtém autorização para funcionar no Brasil. O ponto de partida para a construção da ferrovia deveria ser Santo Antônio do Madeira.

Os engenheiros da Public Works não logram êxito e emitem relatório atestando que é impossível construir uma estrada de ferro em terreno tão hostil. Em 1873 a Dorsay & Caldwell assina contrato com Church comprometendo-se a assentar 15km de trilhos utilizando todo o material que havia sido abandonado no canteiro de obras pela Public Works.

As intempéries da Amazônia não permitiram que esse cenário se completasse e a Dorsay & Caldwell abandona a obra, repassando os seus direitos contratuais para a Reed Bross & Company. Esta por sua vez também não consegue assentar trilhos e abandona a região de Santo Antônio.

Em outubro, frente a este cenário George Earl Church contrata uma nova empresa, a americana P & T Collins. Essa nova contratada chega a Santo Antônio em 1878. Foram apenas míseros 7km de trilhos assentados e a empreiteira P & T Collins abandonou Santo Antônio em agosto de 1879.

A Amazônia novamente expulsava os bravos construtores.
Neste ínterim no ano de 1876 o inglês Henry Wi­­ckham furta 70 mil sementes de seringueira que foram entregues ao Jardim Botânico Real da Inglaterra e posteriormente cultivadas nas colônias inglesas na Ásia. Esta ação servirá de sepulcro para o empreendimento ferroviário que se desdobra na Amazônia.

Após a Guerra do Pacífico a Bolívia perde sua saída para o Oceano Pacífico, portanto, do ponto de vista econômico era urgente a construção da ferrovia para que a Bolívia pudesse escoar sua produção para o mercado internacional.

Em 1881 a concessão que havia sido concedida a Church tornou-se obsoleta, isto é, caducou. A partir daí Dom Pedro II, demonstra grande interesse na conclusão da ferrovia.

Assim, entre 1883 e 1884 foram criadas duas comissões cujo principal objetivo era estudar acerca da viabilidade da construção de uma ferrovia nessas paragens amazônicas, foram elas a comissão Morsing e a comissão Pinkas, chefiadas pelos engenheiros Carlos Morsing e Júlio Pinkas, respectivamente.

O cenário político no Brasil sofre grandes transformações e a República foi implantada em 15/11/1889. Aqui teremos um outro cenário político que influenciará de maneira contundente a decisão pela construção da ferrovia em território brasileiro.

Em 1903, o Brasil incorpora o Acre, assina o Tratado de Petrópolis e através deste assume o compromisso de construir a ferrovia, permitindo que a borracha brasileira e a boliviana fossem escoadas até Belém.

O engenheiro brasileiro Joaquim Catramby vence a concorrência para a construção do trecho Santo Antônio até Guajará Mirim, rio Madeira e rio Mamoré em ambos os extremos. Mesmo sendo o vencedor, a obra foi levada a cabo pelo norte-americano Percival Farquhar.

Em 1906 foi fundada a Brazil Railway Company e no ano seguinte fundou a Madeira-Mamoré Railway Co., que foi autorizada a funcionar no Brasil através do decreto 6755 de 28/11/1907.

Em 1907 tem reinício a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, contudo 7km abaixo do ponto de partida onde as outras empresas fracassaram. Este novo canteiro de obras chamava-se Porto Velho.

Farquhar contrata a empreiteira americana May, Jekill & Randolph de Robert May, Atur Jekill e Jhon Randolph.

Porto Velho constituía-se assim numa babel amazônica pois essa empreiteira passou a contratar trabalhadores em diversos países.

A Madeira-Mamoré Railway Co. dota Porto Velho de mínima infraestrutura para servir de suporte à linha de frente dos serviços executados pelos engenheiros e trabalhadores. Podemos destacar aqui a construção do hospital da Candelária. Em abril de 1912 os trabalhos alcançam Guajará Mirim e a ferrovia foi inaugurada em agosto do mesmo ano.

Infelizmente no mesmo ano que a Estrada de Ferro foi concluída na Amazônia as colônias inglesas começam a jogar sua produção no mercado, fazendo assim com que a produção brasileira perca espaço no mercado europeu. Já em 1915 a Madeira Mamoré passa a ofertar prejuízos. O americano Percival Farquhar faliu em 1919.

Em 1931 o governo brasileiro assume o controle da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e em 1972 foi desativada. Entre tantas idas e vindas, o trecho de 7km entre Porto Velho e Santo Antônio foi reativado para fins turísticos. Após 134 anos depois do início da sua construção a Madeira-Mamoré foi tombada pelo Iphan.

*José Felinto é professor, graduado em História pela Universidade Federal de Rondônia (Unir).

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