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BLOG DA AMAZÔNIA - Altino Machado - Amazônia permanece como porta de entrada da cocaína produzida na Colômbia, Peru e Bolívia
Quinta-feira, 08 Janeiro de 2009 - 13:15 | Altino Machado
Ele é baiano de Itabuna, curte jazz, lê bons livros, escreve artigos e corre 11 quilômetros três vezes por semana. E também gosta de aventuras, como percorrer a Trilha Inca, no Peru, e os 800 Km do Caminho de Santiago de Compostela, entre França e Espanha.
Bacharel em Direito, com pós-graduação em Direito Público e Gestão em Política de Segurança Pública pela Fundação Getúlio Vargas e professor da Academia Nacional de Polícia, Dórea interrompeu as férias dele na Califórnia (EUA) para conversar com o Blog da Amazônia sobre o combate aos narcotraficantes da região.
Delegado há 13 anos, Luiz Dórea já ocupou diversas funções de chefia no Departamento de Policia Federal, dentre elas, no Rio de Janeiro, a Delegacia de Repressão a Entorpecentes e o Núcleo de Operações da Delegacia de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteira, hoje chamada Delegacia de Imigração.
Bacharel em Direito, com pós-graduação em Direito Público e Gestão em Política de Segurança Pública pela Fundação Getúlio Vargas e professor da Academia Nacional de Polícia, Dórea interrompeu as férias dele na Califórnia (EUA) para conversar com o Blog da Amazônia sobre o combate aos narcotraficantes da região.
Leia a entrevista:
Levantamento da Folha de S. Paulo revela hoje [ontem] que o número de operações especiais contra o narcotráfico ultrapassa o de inquéritos voltados para fraude com recursos públicos. O sr. considera essa tendência positiva?
Primeiramente, é importante ressaltar que o número de inquéritos, operações, apreensões e indiciamentos aumentam anualmente na PF. Essa mencionada tendência não é proposital. É uma questão de demanda. O consumo de cocaína no Brasil cresceu mais de 30%, média de 6% ao ano, desde 2002. Logo, houve aumento também do tráfico e uma natural resposta da PF a isso. Assim, o fato de o número de operações contra o narcotráfico ter superado o de corrupção não quer dizer que essas últimas não tenham sido realizadas. Pelo contrário.
A vastíssima Amazônia brasileira ainda é a principal porta de entrada da cocaína produzida na Colômbia, Peru e Bolívia?
Sim, mas podemos acrescentar também os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Considerando que esses três países são os principais produtores de cocaína do planeta, os Estados brasileiros que fazem fronteira com eles são, conseqüentemente, importantes portões de entrada da droga no país.
O que mudou nos últimos anos em termos de estrutura da PF e na maneira de operar dos narcotraficantes da região?
A PF está investindo no binômio tecnologia/recursos humanos. Modernizamos todo o nosso sistema de inteligência. Também adquirimos barcos e veículos novos, como camionetes adequadas para ramais e estradas de difícil acesso, computadores novos para todas as delegacias, principalmente a de Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, e Epitaciolândia, fronteira com a Bolívia. Melhoramos o nosso sistema de comunicação via rádio e colocamos internet banda larga nos nossos Postos de Controle de Fronteira de Plácido de Castro, Assis Brasil, Santa Rosa do Purus e Marechal Thaumaturgo. Isso nos permite acessar todos os bancos de dados centralizados em Brasília. A nossa perícia recebeu equipamentos sofisticados e treinamentos específicos. Os traficantes, por sua vez, estão mais cautelosos. Da mesma forma que empresários, eles fazem análise de riscos e estão constantemente alterando suas rotas e meios de ocultamento da droga.
Como se dá isso na atualidade?
Atualmente, eles preferem, por exemplo, dividir uma partida de 200 Kg de pasta base de cocaína em 40 remessas de 5 Kg, a fim de diluir o prejuízo caso alguma remessa seja interceptada pela polícia. Não têm sido comuns flagrantes de transportes acima de 50 Kg, como já foi. Outra mudança significativa é que o Brasil deixou de ser um país prioritariamente de trânsito para se tornar o segundo maior consumidor mundial de cocaína, segundo dados da ONU, em 2008.
Como é, sem a estrutura ideal, lidar com traficantes que frequentemente utilizam métodos criativos para transporte da droga?
O nosso problema não é de estrutura, mas sim de dimensões territoriais. Com a vasta linha de fronteira do Brasil, torna-se impossível bloquear de maneira absoluta o transporte dessa droga através do nosso país. Não podemos simplesmente revistar todos os passageiros dos aviões, todos os veículos nas estradas, todos os barcos, tampouco tratar todo cidadão como suspeito de um crime ainda não descoberto. Do contrário, poderíamos inviabilizar o tráfego aéreo, terrestre e fluvial, bem como atentar contra os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. O objetivo, então, é reprimir o tráfico por meio de um eficiente sistema de inteligência e de operações, que identifica não apenas as pequenas quantidades transportadas, mas sim os núcleos de distribuição e financiadores da droga. Em 2008, a PF no Acre realizou oito operações de combate ao narcotráfico sendo que, em várias delas, foram presas na mesma ocasião a cadeia completa do tráfico: do financiador ao transportador.
Como explica o fato de a PF ter conseguido aumentar as apreensões de drogas no Acre desde que assumiu a superintendência local?
É uma conseqüência do aprimoramento estratégico: mais investimentos em inteligência, equipe, logística, perícia, e, claro, estabelecimento e cobrança das metas. Em 2008 deixamos a penúltima colocação entre as superintendências em número de operações para ocupar o 16º lugar no ranking nacional. Ou seja, hoje superamos 11 regionais. Foram doze operações no total, sendo cinco de alcance interestadual, como, por exemplo, a Operação Houdini, que desrticulou uma organização criminosa sediada em Curitiba e que começava a se expandir no Acre. A nossa meta para 2009 é ficar entre as 10 maiores unidades regionais da PF no país. Para 2010 já poderemos ficar entre as cino maiores em número de operações, prisões e apreensões, dentre outros índices de produtividade. Nos recusamos a ser os maiores dentre os menores.
Sendo assim, o que considera como maior conquista?
A nossa maior conquista, em 2008, no meu ponto de vista, foi aproximar a PF, vista como uma polícia de elite, da comunidade acreana. Nossa equipe percorreu os locais mais longínquos do Estado e de parte do Amazonas e recadastrou mais de 8 mil armas de seringueiros, indígenas e ribeirinhos, retirando da ilegalidade quem depende da caça de subsistência para o sustento da sua família. Foram quatro operações, denominadas Caça Legal I, II, III e IV. Essa ação foi considerada modelo pelo Ministério da Justiça e a direção geral da PF sugeriu que as demais Superintendências fizessem ações similares. Também tivemos uma ação pacificadora em todo o Acre durante o período eleitoral 2008, reflexo da nossa atitude de deslocar as equipes policiais para os maiores centros eleitorais, como Sena Madureira e Tarauacá, com duas semanas de antecedência do dia do pleito, a fim de interagir com Ministério Público, a Justiça Eleitoral, Polícia Militar e Civil, e, principalmente, conhecer a geografia e os hábitos locais. Dessa forma, pudemos agir com firmeza, independentemente da coligação do candidato infrator.
A abertura da Estrada do Pacífico tem contribuído para acelerar o narcotráfico. Nós não exportamos nada através da estrada, mas os narcotraficantes peruanos, bolivianos e brasileiros transitam com relativa facilidade. No seu ponto de vista, como essa realidade deve ser enfrentada?
A relação entre crescimento econômico e aumento da criminalidade, principalmente o consumo e tráfico de drogas, existe em todas as partes do mundo. No caso da Estrada do Pacífico, seguramente não será diferente. Um dos principais objetivos da construção da Estrada do Pacífico é a integração econômica, social e cultural entre os países, por meio da facilitação da circulação de pessoas e das relações comerciais, seguindo os princípios do Mercosul, bloco do qual Peru e Bolívia são países associados. Nesse contexto, a busca pelo desenvolvimento é o vetor principal da Estrada. O que temos que fazer é aumentar o policiamento de fronteira e fortalecer ainda mais o sistema de inteligência, de forma a atuar muito além dos procedimentos imigratórios.
Como a PF está se preparando para isso?
Além do efetivo aumento da equipe da PF no Acre em mais de 30%, em 2008, instalamos aparelhos de raio X de bagagem despachada nos aeroportos de Cruzeiro do Sul e Rio Branco, este último responsável por diversas apreensões. No primeiro trimestre de 2009, inauguraremos também esses equipamentos no Posto Fiscal da Tucandeira, na interligação com Rondônia, o que o caracterizará como o primeiro posto fiscal a contar com esse equipamento no país. O mesmo foi feito na ponte entre Epitaciolândia e Cobija, na Bolívia, e no posto da PF em Assis Brasil, fronteira com Iñapari, no Peru. Estamos adquirindo também embarcações e equipamentos para operações fluviais nos Vales do rio Juruá e rio Purus.
Na Amazônia, particularmente no Acre, a estrutura da PF permanece precária. Por que a sociedade parece ter a sensação de que estamos perdendo a guerra contra o narcotráfico?
É uma percepção equivocada. Nos últimos dois anos houve um significativo aumento do número de policiais, tanto que todos os novos que formaram na Academia Nacional de Polícia na última turma, em dezembro de 2008 foram enviados para a Amazônia. O Acre recebeu modernos equipamentos comprados pela PF e os nossos policiais constantemente fazem cursos de aperfeiçoamento e treinamentos no Brasil e no exterior. Talvez o volume de notícias veiculadas sobre apreensões, bem como o aumento do consumo da droga, causem essa sensação de descontrole da situação. Acho importante destacar que o trabalho da Polícia Federal é prioritariamente fundamentado em procedimentos de inteligência, ou seja, de investigações que são realizadas em caráter sigiloso, e são muito mais complexos e numerosos do que as apreensões divulgadas na imprensa. Durante a crise da Bolívia, por exemplo, quando mais de 600 refugiados entraram em território brasileiro, o nosso trabalho de inteligência pôde monitorar a situação e identificar e deportar todos os indivíduos estrangeiros que tentaram constranger os bolivianos ou violar alguma lei brasileira. O sistema de inteligência da PF no Acre produziu as informações que foram base para as decisões estratégicas tomadas pela ABIN, Ministério das Relações Exteriores e Palácio do Planalto.
O sr. concorda que é perceptível que os traficantes conseguem atender a demanda crescente por cocaína na Amazônia ou no resto do pais?
Sim, mas devemos sempre lembrar que fazemos fronteira com os três maiores países produtores de cocaína do mundo, ou seja, Colômbia, Peru e Bolívia. Só o Acre, por exemplo, tem 618 Km de fronteira seca com a Bolívia e 1.350 km com o Peru. E a maior parte dessas fronteiras consiste em igarapés e florestas fechadas, de difícil acesso. Nossa fiscalização está aumentando em todo o território, fato que pode ser comprovado pelo aumento dos valores praticados pelos traficantes. Por exemplo, o quilo da pasta base de cocaína vendido a 800 dólares no Vale do Juruá chega ao Ceará valendo 6 mil dólares. Como qualquer bem de consumo, quanto mais raro e difícil de ser entregue, mais caro se torna. No caso da cocaína, ou maconha, não é diferente, pois os riscos de prisão e perda da droga estão crescendo.
Nos últimos anos a cocaína e a pasta de cocaína ganharam o mercado consumidor acreano mais facilmente. Até em municípios como Jordão, considerado o mais isolado e miserável do país, compra-se cocaína com relativa facilidade. Nas periferias das cidades da Amazônia existem dezenas de milhares de pontos de venda da droga. Não é visível a ação dos governos estaduais para enfrentar essa realidade. O que está faltando?
Uma vez escutei que o trabalho de reprimir o narcotráfico é como enxugar gelo. É verdade, mas se não enxugarmos pode alagar. É possível que haja falha em alguma ação estatal específica ou falte entrosamento entre os órgãos de segurança pública. Todavia, o consumo já foi diagnosticado em mais de 80% das nações do planeta, mostrando que a globalização e o aumento do tráfico é uma realidade. Se o país é subdesenvolvido, culpa-se a pobreza. Mas os Estados Unidos e a Espanha, respectivamente a primeira e a oitava economias do mundo, estão dentre os que mais consomem as 600 toneladas de cocaína distribuídas anualmente no mundo. Logo, as polícias devem melhorar e aumentar suas táticas de repressão ao narcotráfico na Amazônia, mas devemos ter em mente que isso não é uma doença regional.
Há pouco mais de um ano percorri durante mais de 10 dias o rio Juruá, de Cruzeiro do Sul a Manaus. Assim como as centenas de balsas que trafegam naquele longo trecho de rios, nosso barco não sofreu qualquer fiscalização. Aquela ainda é uma rota importante para os narcotraficantes?
Há três semanas interceptamos em Eirunepé (AM), no Rio Juruá, 39 Kg de cocaína que estavam escondidos no meio de uma carga de 300 sacos de farinha. Na semana anterior, a PF apreendeu 600 Kg no Rio Solimões, também a bordo de um barco oriundo de Cruzeiro do Sul. Se não houvesse um trabalho prévio de inteligência seria muito difícil descobrir esses carregamentos. Imagine inspecionar todos esses sacos em uma fiscalização de rotina em dezenas de barcos que zarpam diariamente de Cruzeiro do Sul para Manaus. Para intensificar esse trabalho, investimos muito na Delegacia de Cruzeiro do Sul, principalmente no tocante à Inteligência, para aumentarmos a nossa presença no Rio Juruá e seus afluentes. Como parte da estratégia, no próximo dia 6 de fevereiro, inauguraremos um novo Posto de Controle de Fronteira em Marechal Thaumaturgo, na foz do Rio Amônia. Esse Posto contará com internet banda larga e o projeto piloto de um centro de inclusão digital para uso da comunidade local e de uma sala de projeções onde serão exibidos filmes e ministradas palestras anti-drogas e de educação ambiental. Queremos a população ribeirinha e indígena como parceira.
Como o sr. explica o surgimento de barões numa região tão pobre?
Todo mundo fala nisso. É possível que parte de tais fortunas tenham se originado do narcotráfico, mas também pode ser da corrupção, da malversação de verbas públicas, de fraudes em licitações, ou crimes ambientais como comercialização ilegal de madeira. De fato é nossa obrigação apurar tais fatos. A delegacia em Cruzeiro do Sul é muito recente. Foi inaugurada em 1999 e depois ainda passou dois anos fechada. Reformulamos aquela unidade. Hoje é a melhor instalação que possuímos no Acre e nunca contou com tantos policiais atuando lá. Em 2008, a unidade teve um grande desempenho no combate aos crimes eleitorais e ambientais em parceria com o Ibama. Em 2009 seguramente terá uma ação mais contundente contra o narcotráfico.
As operações especiais contra o narcotráfico não deveriam envolver a investigação de fortunas que surgem em regiões miseráveis da Amazônia a reboque do narcotráfico?
Sim, há várias em andamento. Entretanto, elas são demoradas porque tais pessoas raramente entram em contato físico com a droga e a prova, cuja qualidade nós prezamos muito, envolve perícia contábil e financeira de inúmeros documentos e registros.
Bacharel em Direito, com pós-graduação em Direito Público e Gestão em Política de Segurança Pública pela Fundação Getúlio Vargas e professor da Academia Nacional de Polícia, Dórea interrompeu as férias dele na Califórnia (EUA) para conversar com o Blog da Amazônia sobre o combate aos narcotraficantes da região.
Delegado há 13 anos, Luiz Dórea já ocupou diversas funções de chefia no Departamento de Policia Federal, dentre elas, no Rio de Janeiro, a Delegacia de Repressão a Entorpecentes e o Núcleo de Operações da Delegacia de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteira, hoje chamada Delegacia de Imigração.
Bacharel em Direito, com pós-graduação em Direito Público e Gestão em Política de Segurança Pública pela Fundação Getúlio Vargas e professor da Academia Nacional de Polícia, Dórea interrompeu as férias dele na Califórnia (EUA) para conversar com o Blog da Amazônia sobre o combate aos narcotraficantes da região.
Leia a entrevista:
Levantamento da Folha de S. Paulo revela hoje [ontem] que o número de operações especiais contra o narcotráfico ultrapassa o de inquéritos voltados para fraude com recursos públicos. O sr. considera essa tendência positiva?
Primeiramente, é importante ressaltar que o número de inquéritos, operações, apreensões e indiciamentos aumentam anualmente na PF. Essa mencionada tendência não é proposital. É uma questão de demanda. O consumo de cocaína no Brasil cresceu mais de 30%, média de 6% ao ano, desde 2002. Logo, houve aumento também do tráfico e uma natural resposta da PF a isso. Assim, o fato de o número de operações contra o narcotráfico ter superado o de corrupção não quer dizer que essas últimas não tenham sido realizadas. Pelo contrário.
A vastíssima Amazônia brasileira ainda é a principal porta de entrada da cocaína produzida na Colômbia, Peru e Bolívia?
Sim, mas podemos acrescentar também os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Considerando que esses três países são os principais produtores de cocaína do planeta, os Estados brasileiros que fazem fronteira com eles são, conseqüentemente, importantes portões de entrada da droga no país.
O que mudou nos últimos anos em termos de estrutura da PF e na maneira de operar dos narcotraficantes da região?
A PF está investindo no binômio tecnologia/recursos humanos. Modernizamos todo o nosso sistema de inteligência. Também adquirimos barcos e veículos novos, como camionetes adequadas para ramais e estradas de difícil acesso, computadores novos para todas as delegacias, principalmente a de Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, e Epitaciolândia, fronteira com a Bolívia. Melhoramos o nosso sistema de comunicação via rádio e colocamos internet banda larga nos nossos Postos de Controle de Fronteira de Plácido de Castro, Assis Brasil, Santa Rosa do Purus e Marechal Thaumaturgo. Isso nos permite acessar todos os bancos de dados centralizados em Brasília. A nossa perícia recebeu equipamentos sofisticados e treinamentos específicos. Os traficantes, por sua vez, estão mais cautelosos. Da mesma forma que empresários, eles fazem análise de riscos e estão constantemente alterando suas rotas e meios de ocultamento da droga.
Como se dá isso na atualidade?
Atualmente, eles preferem, por exemplo, dividir uma partida de 200 Kg de pasta base de cocaína em 40 remessas de 5 Kg, a fim de diluir o prejuízo caso alguma remessa seja interceptada pela polícia. Não têm sido comuns flagrantes de transportes acima de 50 Kg, como já foi. Outra mudança significativa é que o Brasil deixou de ser um país prioritariamente de trânsito para se tornar o segundo maior consumidor mundial de cocaína, segundo dados da ONU, em 2008.
Como é, sem a estrutura ideal, lidar com traficantes que frequentemente utilizam métodos criativos para transporte da droga?
O nosso problema não é de estrutura, mas sim de dimensões territoriais. Com a vasta linha de fronteira do Brasil, torna-se impossível bloquear de maneira absoluta o transporte dessa droga através do nosso país. Não podemos simplesmente revistar todos os passageiros dos aviões, todos os veículos nas estradas, todos os barcos, tampouco tratar todo cidadão como suspeito de um crime ainda não descoberto. Do contrário, poderíamos inviabilizar o tráfego aéreo, terrestre e fluvial, bem como atentar contra os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. O objetivo, então, é reprimir o tráfico por meio de um eficiente sistema de inteligência e de operações, que identifica não apenas as pequenas quantidades transportadas, mas sim os núcleos de distribuição e financiadores da droga. Em 2008, a PF no Acre realizou oito operações de combate ao narcotráfico sendo que, em várias delas, foram presas na mesma ocasião a cadeia completa do tráfico: do financiador ao transportador.
Como explica o fato de a PF ter conseguido aumentar as apreensões de drogas no Acre desde que assumiu a superintendência local?
É uma conseqüência do aprimoramento estratégico: mais investimentos em inteligência, equipe, logística, perícia, e, claro, estabelecimento e cobrança das metas. Em 2008 deixamos a penúltima colocação entre as superintendências em número de operações para ocupar o 16º lugar no ranking nacional. Ou seja, hoje superamos 11 regionais. Foram doze operações no total, sendo cinco de alcance interestadual, como, por exemplo, a Operação Houdini, que desrticulou uma organização criminosa sediada em Curitiba e que começava a se expandir no Acre. A nossa meta para 2009 é ficar entre as 10 maiores unidades regionais da PF no país. Para 2010 já poderemos ficar entre as cino maiores em número de operações, prisões e apreensões, dentre outros índices de produtividade. Nos recusamos a ser os maiores dentre os menores.
Sendo assim, o que considera como maior conquista?
A nossa maior conquista, em 2008, no meu ponto de vista, foi aproximar a PF, vista como uma polícia de elite, da comunidade acreana. Nossa equipe percorreu os locais mais longínquos do Estado e de parte do Amazonas e recadastrou mais de 8 mil armas de seringueiros, indígenas e ribeirinhos, retirando da ilegalidade quem depende da caça de subsistência para o sustento da sua família. Foram quatro operações, denominadas Caça Legal I, II, III e IV. Essa ação foi considerada modelo pelo Ministério da Justiça e a direção geral da PF sugeriu que as demais Superintendências fizessem ações similares. Também tivemos uma ação pacificadora em todo o Acre durante o período eleitoral 2008, reflexo da nossa atitude de deslocar as equipes policiais para os maiores centros eleitorais, como Sena Madureira e Tarauacá, com duas semanas de antecedência do dia do pleito, a fim de interagir com Ministério Público, a Justiça Eleitoral, Polícia Militar e Civil, e, principalmente, conhecer a geografia e os hábitos locais. Dessa forma, pudemos agir com firmeza, independentemente da coligação do candidato infrator.
A abertura da Estrada do Pacífico tem contribuído para acelerar o narcotráfico. Nós não exportamos nada através da estrada, mas os narcotraficantes peruanos, bolivianos e brasileiros transitam com relativa facilidade. No seu ponto de vista, como essa realidade deve ser enfrentada?
A relação entre crescimento econômico e aumento da criminalidade, principalmente o consumo e tráfico de drogas, existe em todas as partes do mundo. No caso da Estrada do Pacífico, seguramente não será diferente. Um dos principais objetivos da construção da Estrada do Pacífico é a integração econômica, social e cultural entre os países, por meio da facilitação da circulação de pessoas e das relações comerciais, seguindo os princípios do Mercosul, bloco do qual Peru e Bolívia são países associados. Nesse contexto, a busca pelo desenvolvimento é o vetor principal da Estrada. O que temos que fazer é aumentar o policiamento de fronteira e fortalecer ainda mais o sistema de inteligência, de forma a atuar muito além dos procedimentos imigratórios.
Como a PF está se preparando para isso?
Além do efetivo aumento da equipe da PF no Acre em mais de 30%, em 2008, instalamos aparelhos de raio X de bagagem despachada nos aeroportos de Cruzeiro do Sul e Rio Branco, este último responsável por diversas apreensões. No primeiro trimestre de 2009, inauguraremos também esses equipamentos no Posto Fiscal da Tucandeira, na interligação com Rondônia, o que o caracterizará como o primeiro posto fiscal a contar com esse equipamento no país. O mesmo foi feito na ponte entre Epitaciolândia e Cobija, na Bolívia, e no posto da PF em Assis Brasil, fronteira com Iñapari, no Peru. Estamos adquirindo também embarcações e equipamentos para operações fluviais nos Vales do rio Juruá e rio Purus.
Na Amazônia, particularmente no Acre, a estrutura da PF permanece precária. Por que a sociedade parece ter a sensação de que estamos perdendo a guerra contra o narcotráfico?
É uma percepção equivocada. Nos últimos dois anos houve um significativo aumento do número de policiais, tanto que todos os novos que formaram na Academia Nacional de Polícia na última turma, em dezembro de 2008 foram enviados para a Amazônia. O Acre recebeu modernos equipamentos comprados pela PF e os nossos policiais constantemente fazem cursos de aperfeiçoamento e treinamentos no Brasil e no exterior. Talvez o volume de notícias veiculadas sobre apreensões, bem como o aumento do consumo da droga, causem essa sensação de descontrole da situação. Acho importante destacar que o trabalho da Polícia Federal é prioritariamente fundamentado em procedimentos de inteligência, ou seja, de investigações que são realizadas em caráter sigiloso, e são muito mais complexos e numerosos do que as apreensões divulgadas na imprensa. Durante a crise da Bolívia, por exemplo, quando mais de 600 refugiados entraram em território brasileiro, o nosso trabalho de inteligência pôde monitorar a situação e identificar e deportar todos os indivíduos estrangeiros que tentaram constranger os bolivianos ou violar alguma lei brasileira. O sistema de inteligência da PF no Acre produziu as informações que foram base para as decisões estratégicas tomadas pela ABIN, Ministério das Relações Exteriores e Palácio do Planalto.
O sr. concorda que é perceptível que os traficantes conseguem atender a demanda crescente por cocaína na Amazônia ou no resto do pais?
Sim, mas devemos sempre lembrar que fazemos fronteira com os três maiores países produtores de cocaína do mundo, ou seja, Colômbia, Peru e Bolívia. Só o Acre, por exemplo, tem 618 Km de fronteira seca com a Bolívia e 1.350 km com o Peru. E a maior parte dessas fronteiras consiste em igarapés e florestas fechadas, de difícil acesso. Nossa fiscalização está aumentando em todo o território, fato que pode ser comprovado pelo aumento dos valores praticados pelos traficantes. Por exemplo, o quilo da pasta base de cocaína vendido a 800 dólares no Vale do Juruá chega ao Ceará valendo 6 mil dólares. Como qualquer bem de consumo, quanto mais raro e difícil de ser entregue, mais caro se torna. No caso da cocaína, ou maconha, não é diferente, pois os riscos de prisão e perda da droga estão crescendo.
Nos últimos anos a cocaína e a pasta de cocaína ganharam o mercado consumidor acreano mais facilmente. Até em municípios como Jordão, considerado o mais isolado e miserável do país, compra-se cocaína com relativa facilidade. Nas periferias das cidades da Amazônia existem dezenas de milhares de pontos de venda da droga. Não é visível a ação dos governos estaduais para enfrentar essa realidade. O que está faltando?
Uma vez escutei que o trabalho de reprimir o narcotráfico é como enxugar gelo. É verdade, mas se não enxugarmos pode alagar. É possível que haja falha em alguma ação estatal específica ou falte entrosamento entre os órgãos de segurança pública. Todavia, o consumo já foi diagnosticado em mais de 80% das nações do planeta, mostrando que a globalização e o aumento do tráfico é uma realidade. Se o país é subdesenvolvido, culpa-se a pobreza. Mas os Estados Unidos e a Espanha, respectivamente a primeira e a oitava economias do mundo, estão dentre os que mais consomem as 600 toneladas de cocaína distribuídas anualmente no mundo. Logo, as polícias devem melhorar e aumentar suas táticas de repressão ao narcotráfico na Amazônia, mas devemos ter em mente que isso não é uma doença regional.
Há pouco mais de um ano percorri durante mais de 10 dias o rio Juruá, de Cruzeiro do Sul a Manaus. Assim como as centenas de balsas que trafegam naquele longo trecho de rios, nosso barco não sofreu qualquer fiscalização. Aquela ainda é uma rota importante para os narcotraficantes?
Há três semanas interceptamos em Eirunepé (AM), no Rio Juruá, 39 Kg de cocaína que estavam escondidos no meio de uma carga de 300 sacos de farinha. Na semana anterior, a PF apreendeu 600 Kg no Rio Solimões, também a bordo de um barco oriundo de Cruzeiro do Sul. Se não houvesse um trabalho prévio de inteligência seria muito difícil descobrir esses carregamentos. Imagine inspecionar todos esses sacos em uma fiscalização de rotina em dezenas de barcos que zarpam diariamente de Cruzeiro do Sul para Manaus. Para intensificar esse trabalho, investimos muito na Delegacia de Cruzeiro do Sul, principalmente no tocante à Inteligência, para aumentarmos a nossa presença no Rio Juruá e seus afluentes. Como parte da estratégia, no próximo dia 6 de fevereiro, inauguraremos um novo Posto de Controle de Fronteira em Marechal Thaumaturgo, na foz do Rio Amônia. Esse Posto contará com internet banda larga e o projeto piloto de um centro de inclusão digital para uso da comunidade local e de uma sala de projeções onde serão exibidos filmes e ministradas palestras anti-drogas e de educação ambiental. Queremos a população ribeirinha e indígena como parceira.
Como o sr. explica o surgimento de barões numa região tão pobre?
Todo mundo fala nisso. É possível que parte de tais fortunas tenham se originado do narcotráfico, mas também pode ser da corrupção, da malversação de verbas públicas, de fraudes em licitações, ou crimes ambientais como comercialização ilegal de madeira. De fato é nossa obrigação apurar tais fatos. A delegacia em Cruzeiro do Sul é muito recente. Foi inaugurada em 1999 e depois ainda passou dois anos fechada. Reformulamos aquela unidade. Hoje é a melhor instalação que possuímos no Acre e nunca contou com tantos policiais atuando lá. Em 2008, a unidade teve um grande desempenho no combate aos crimes eleitorais e ambientais em parceria com o Ibama. Em 2009 seguramente terá uma ação mais contundente contra o narcotráfico.
As operações especiais contra o narcotráfico não deveriam envolver a investigação de fortunas que surgem em regiões miseráveis da Amazônia a reboque do narcotráfico?
Sim, há várias em andamento. Entretanto, elas são demoradas porque tais pessoas raramente entram em contato físico com a droga e a prova, cuja qualidade nós prezamos muito, envolve perícia contábil e financeira de inúmeros documentos e registros.