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Câncer: do diagnóstico ao tratamento em Rondônia
Sábado, 28 Outubro de 2017 - 14:47 | por Marilza Rocha, com edição de Ivanete Damasceno
Todos os anos, 60 mil novos casos de câncer de mama em mulheres são diagnosticados no Brasil. Uma dessas mulheres é a viúva Helenithe do Nascimento Sinetico, de 80 anos. Ela é de Ariquemes e há três anos faz tratamento contra a doença em Porto Velho. Nesta semana, um novo diagnóstico: câncer no colo do útero.
Apesar disso, o sorriso e a esperança continuam vivos em seu rosto com as marcas de expressões de uma vida.
“Quando foi detectado o primeiro nódulo, comecei a fazer o tratamento em hospital particular em Ariquemes, só depois vim para Porto Velho fazer o tratamento no São Pellegrino. Agora estou aqui no Barretinho”, conta a senhora.Mãe de sete filhos, dona Helenithe nunca fica sozinha na casa de apoio do hospital. As netas e bisnetas fazem rodízio para acompanhar as sessões de quimioterapia uma vez por mês. Desta vez está acompanhada de uma neta. “Com o resultado de hoje, a gente vai voltar uma vez por semana para o tratamento”.
O caso de Helenithe tem se tornado comum em Rondônia. Um levantamento feito pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), órgão ligado ao Ministério da Saúde (MS) mostra que câncer de mama é o mais comum entre as mulheres brasileiras e quando detectado em seu estágio inicial, possui 95% de chances de cura. Hoje, o controle da doença é uma prioridade dos governos.
Nessa corrente de um diagnóstico precoce e da prevenção contra o câncer de mama e do colo do útero foi criado um movimento internacional, o Outubro Rosa, para estimular a participação das mulheres no controle do câncer, uma vez que ele pode ser detectado em fases iniciais, em grande parte dos casos, aumentando assim as chances de tratamento e cura.
O médico clínico geral Jean Negreiros, especialista em administração hospitalar e diretor do hospital do Amor Amazônia (o Hospital de Câncer da Amazônia), em Porto Velho, destaca que até do ponto de vista financeiro o diagnóstico precoce é mais eficaz.
“O hospital de Barretos (SP) fez um levantamento e constatou que um câncer de mama em estágio inicial custa em média R$ 10 mil, sem falar que a cirurgia é simples, rápida e muitas vezes não deixam nenhuma sequela na paciente. Já uma paciente em estágio avançado, as despesas giram em torno de R$ 160 mil”, diz Jean Negreiros.
“Por isso que reforçamos a prevenção do câncer de mama e colo do útero através da Carreta de Barretos que atua desde 2015 com recursos próprios do governo de Rondônia, em dois municípios do estado, Porto Velho e Ji-Paraná. Através dela fazemos o atendimento das mulheres de 40 a 69 anos de idade e a nossa meta é, em cinco anos, detectar 80% de casos de câncer em estágio inicial e 20% avançado”, enfatiza Negreiros.
O médico reforça ainda que a cada mil mulheres assintomáticas são constatados de três a seis casos de câncer no hospital do Amor, mas a meta que é ao longo do tempo Rondônia não tenha mais mulheres com câncer em estágio avançado.
O caminho do tratamento
O monitoramento constante do próprio corpo ajuda as pacientes a descobrirem a doença ainda no estágio inicial, mas depois da descoberta, o caminho exige união de esforços para determinar qual tipo e o local de tratamento são os mais adequados em cada caso.
Tudo começa nos postos de saúde, de responsabilidade dos municípios, para depois chegar à Carreta Móvel Fundação Pio XII e aos hospitais do estado. A carreta dá a chance da prevenção precoce do câncer de mama e colo do útero para muitas mulheres. Sem falar na desoneração do SUS.
Em Porto Velho, através da Carreta Móvel, é feito um planejamento junto com os postos de saúde. Capacitados para fazer a abordagem das mulheres que estão na faixa etária a partir de 40 anos de idade, os agentes de saúde, nos UBS municipais, selecionam em média 60 mulheres por dia para fazer os exames na carreta e num período de 40 dias o resultado chega do Hospital de Barretos. Se acusar alterações, as mulheres são chamadas pelo município para os exames complementares na Policlínica Oswaldo Cruz (POC), que dispõe dos equipamentos de ultrassonografia e mamografia.
Na realização das biópsias, se for detectada a existência de nódulos malignos, as mulheres são agendadas, prioritariamente, no hospital do Amor para início do tratamento.
O Hospital do Amor atende em média 600 pacientes por dia, gratuitamente, com todos os atendimentos laboratoriais, consultas com especialistas e, ainda, as especialidades múltiplas de apoio, como os nutricionais, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta, quimioterapia, realização da imagem que é a parte de tomografia e raio x. No Barretinho, que funciona desde 2012, continua internação e centro cirúrgico.
Na rede pública de saúde de Rondônia, Clenilda Aparecida, da Coordenação Saúde da Mulher da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), diz que Estado e municípios se uniram para encontrar uma forma mais abrangente de tratamento e prevenção.
Três unidades de saúde, credenciadas pelo SUS, fazem o atendimento: o Hospital Regional de Cacoal HRC, Hospital de Base Dr. Ary Pinheiro e Instituto de Oncologia e Radioterapia São Pellegrino, ambos em Porto Velho. O Hospital do Amor Amazônia, por não ser credenciado, as notificações são feitas pelo Hospital de Base.
Todos os dados de câncer das unidades de Porto Velho passam pelo Setor Epidemiológico do Hospital de Base, que é um centro de coleta, processamento e análise de informações de forma sistemática e contínua dos casos novos de câncer diagnosticados nos hospitais.
Carência de mamógrafos
Um dos grandes problemas para descoberta do câncer em estágio inicial é a dificuldade de acesso a exames de rotina, como a mamografia. Em muitos casos, as mulheres deixam de fazer mamografias alegando demora, dificuldades para conseguir vagas e até de ter o mamógrafo na cidade onde mora. Em todo o estado de Rondônia, existem apenas dez mamógrafos que atendem pacientes encaminhadas pelo SUS. Dos 52 municípios, apenas quatro têm o equipamento.
Eles ficam em Ji-Paraná, sendo um no Centro de Saúde da Mulher Ceci Cunha e outro na Carreta de Barretos; em Porto Velho existem cinco mamógrafos, na Policlínica Osvaldo Cruz (fixa Barretos), Centro de Especialidades Médicas Dr. Alfredo Silva, Clínica de Radio e Diagnóstico por imagem Samuel Castiel; Carreta Móvel Fundação Pio XII e Infinita; em Ariquemes, um no Centro de Referência a Saúde da Mulher; e em Vilhena, dois no Centro de Referência em Saúde da Mulher e da Criança e Mega Imagem.
Os parâmetros para os municípios terem os mamógrafos são definidos pelo governo federal, através do Ministério da Saúde.
Prevenção
A Organização Mundial da Saúde define o rastreamento do câncer de mama na faixa etária da população feminina de 50 a 69 anos como prioritário e o Brasil segue essa política, a exemplo de outros países europeus como Alemanha, França, Reino Unido, além do Canadá e Japão.
Os principais sinais e sintomas do câncer de mama são: caroço (nódulo) fixo, endurecido e, geralmente, indolor; pele da mama avermelhada, retraída ou parecida com casca de laranja; alterações no bico do peito (mamilo); pequenos nódulos na região embaixo dos braços (axilas) ou no pescoço; e saída espontânea de líquido dos mamilos.
A médica epidemiológica do Hospital de Base, Soraia Cruz Beleza, explica que o primeiro banco de dados do câncer foi implantado na unidade de saúde em 2012 e o fluxo para mantê-lo atualizado começa com a busca ativa do paciente, que é acompanhado desde o momento que entra no hospital, com exames, cirurgias e o preenchimento da ficha de registro de tumor, padronizada pelo MS, que identifica o paciente, desde a sua localização, diagnóstico, as características do tumor, do primeiro tratamento, até seu histórico familiar de câncer.
As equipes dos hospitais de Base, do São Pellegrino e do Amor fazem a busca ativa dos pacientes no ambulatório, laboratório de patologias, nas clínicas médicas e todas as notificações são encaminhadas para o Instituto do Câncer, sendo que esse trabalho começou em 2012 quando foi implantado o hospital de Barretos unidade Porto Velho. A primeira notificação de câncer enviada ao Instituto Nacional do Câncer (Inca) é do período de junho a dezembro de 2012, com 1.110 casos de câncer registrados na capital.
Em 2013, os dados de janeiro a dezembro somaram 1.816 casos; em 2014 foi mantida a mesma média o ano inteiro, sendo 1.731 casos registrados. Já em 2015, houve uma tendência de queda onde foram registrados 1.602 casos, em função da Unacon - Hospital Regional de Cacoal, outra unidade de atendimento especializado de alta complexidade para o diagnóstico e tratamento de câncer.
“Para ficarem mais próximas das famílias muitos pacientes do interior preferiram ou foram direcionados para fazerem o tratamento em Cacoal, por isso tivemos essa redução nos casos”, enfatiza a médica Soraia.
Em 2016 foram 1.331 casos notificados de câncer na Unacon, em Porto Velho. “A média contabilizada pelo Hospital de Base é de 400 casos de câncer por ano”, afirma Soraia.
Outros tipos da doença
Paciente do hospital do Amor, Paulo Guedes, de 66 anos, é da cidade de Jaru. Em sua saga para detectar um tumor maligno no rim, ele passou por vários médicos em Ariquemes, Jaru, Cacoal e Porto Velho, mas somente em 2013 veio o diagnóstico. Um ano depois, os médicos descobriram outros tumores no pulmão.
“Estou feliz e confiante e acabando de ficar bom. Os médicos daqui merecem um prêmio. Nunca fui tão bem tratado em toda minha vida”, diz Guedes.
O hospital de Câncer da Amazônia atende especialidades de mama, digestivo, urologia, cabeça e pescoço, ginecologia, oncologia clínica, radiologia, cirurgia restauradora, tórax e pele. Fora isso, os pacientes são encaminhados para o hospital de Barretos (SP) e Oncologia do Hospital de Base, que é também é referência no tratamento infantil. Jean Negreiros enfatiza que o tratamento contra o câncer é longo, com reavaliações mensais, conforme cada paciente.
“Muitas vezes um paciente entra no hospital com um diagnóstico de câncer de pulmão, por exemplo, mas a triagem detecta através de exames que a origem primária do tumor é na próstata ou no fígado e é nesse momento que ele retorna para os exames necessários com tudo agendado e acolhido por toda equipe”, explica Jean Negreiros.
“E esses pacientes não deixam o hospital, são exames, cirurgias, retorno, um tratamento caro, mas o governo de Rondônia, na pessoa do governador Confúcio Moura, permitiu e hoje paga, com recursos próprios, 70% das despesas do hospital e os outros 30% são colaborações e doações de empresários, comerciantes, realizações de leilões e emendas parlamentares”, diz Negreiros.
Pelo menos 70% dos pacientes são do interior do estado de Rondônia, mas também são atendidos do estado do Acre, Roraima, Amapá, Mato Grosso, Amazonas, das cidades de Apuí e Humaitá e, ainda, da Bolívia.
Sobre o tratamento no hospital de Barretos (SP), o diretor Negreiros acrescentou que são muitos pacientes de Rondônia que continuam em tratamento naquela unidade de saúde, com as especialidades que não existem em Rondônia.
É o caso de piauiense Dilson Araújo, de 47 anos. Ele retirou um nódulo maligno dos rins em Brasília (DF) em 2013 e no mesmo ano mudou-se Porto Velho. A partir daí, a primeira revisão da cirurgia foi feita na capital de Rondônia, através do Barretinho. A esposa de Dílson, Caroliny Araújo, de 39 anos, conta que todos os exames foram realizados, mas mesmo assim o marido precisava viajar quase todo mês para tomar um medicamento que só tem disponível na rede pública no hospital de Câncer de Barretos, em São Paulo.
Como a família não tinha condições de pagar as passagens, a documentação de Dilson Araújo foi encaminhada do Barretinho direto para o Tratamento Fora de Domicílio (TFD) da Sesau.“Não foi fácil o tratamento pela rede pública, mas também nunca tivemos problemas em conseguir as passagens aéreas para o tratamento fora do estado. Foi um ano de viagens todo mês”, destaca Caroliny.
Guerreira e com muita dedicação ela diz que a "luta do câncer continua”. Dilson acaba de ser diagnosticado com outro nódulo maligno, desta vez no pulmão.
“São quatro anos lutando com ele nesse tratamento que envolve desde exames a quimioterapia. Isso abalou a nossa família em todos os quesitos. Isso sim é uma dificuldade pra gente conviver 24 horas com o sofrimento do marido, do pai, do irmão”, desabafa Caroliny.
A partir de maio de 2018, a previsão é concentrar todos os procedimentos no hospital do Amor, quando serão inauguradas as alas mais importantes, internações, com 120 leitos; 20 leitos de UTI, cinco salas cirúrgicas de grande porte, quatro salas cirúrgicas de pequeno porte; a ressonância e a radioterapia estão sendo implantados. “Com isso fechamos o complexo hospitalar de tratamento de câncer no estado”, diz o diretor Jean Negreiros.
Voluntários
As doações para o hospital chegam também em forma de voluntários. Atualmente, existem três no grupo “voluntários do amor”: uma cabeleireira, uma servidora pública e um pastor, que nas quintas-feiras fazem ação social no hospital e na Oncologia Infantil do Hospital de Base. São brincadeiras, jogos, palavras de encorajamento para todos os pacientes que ficam nas salas de recepção, de espera para os atendimentos e na quimioterapia.
A cabeleireira Ana Cruz, de 39 anos, também arrecada cabelos para fazer as perucas das mulheres que fazem a quimioterapia. As pessoas interessadas podem fazer as doações para ela mesma, no salão que fica localizado na Rua Belo Horizonte, 121, Bairro Embratel, em Porto Velho. O grupo conta com cinco pessoas que fazem campanhas e promoções para ajudar as famílias.
“Quando as pessoas chegam ao hospital chegam desanimadas, sem perspectivas de vida e a gente chega com uma palavra de conforto, com amor, com brincadeiras. O agir de Deus é perfeito na vida das pessoas, garante o voluntário Saulo Silas.
Óbitos
Dados de 2016 apresentados pela enfermeira Rosângela Olsson e a psicóloga Rose Brito, da Coordenação de Vigilância Epidemiológica de Câncer da Agência de Vigilância Estadual de Vigilância em Saúde (Agevisa) mostram que 506 mulheres morreram de câncer em Rondônia, sendo as principais causas por neoplasia maligna registradas: câncer de mama, de brônquios e pulmões, do colo do útero, e câncer no estômago.
Com relação aos homens, o número de óbito foi maior. Foram 692 óbitos, sendo as principais causas por neoplasia maligna foram: próstata, brônquios e dos pulmões, estômago e fígado vias biliares intra-hepáticas.
A próxima campanha é o Novembro Azul, quando os homens são incentivados a fazer o exame de próstata.