Geral
Antes que nos roubem a voz - Por Rinaldo Forti Silva
Quarta-feira, 23 Abril de 2008 - 14:48 | Rinaldo Forti Silva
A pretexto de uniformizar a interpretação do art. 85 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ editou a Resolução nº 51, de 25 de março de 2008.
Pela leitura da resolução salta aos olhos que o CNJ nada mais fez que recomendar a não aplicação da norma, disciplinando novas regras para que crianças e adolescentes viagem ao exterior.
Embora reconhecidamente haja alguma discrepância nos procedimentos adotados pelas diversas varas da infância no Brasil, sobretudo no que tange às formalidades exigidas pelo dispositivo, bem como parecer excessivamente rigoroso o comando nele inserto - exigindo autorização judicial mesmo havendo concordância dos genitores - tenho que a resolução fere de morte os mais comezinhos princípios republicanos.
Pela leitura da resolução salta aos olhos que o CNJ nada mais fez que recomendar a não aplicação da norma, disciplinando novas regras para que crianças e adolescentes viagem ao exterior.
É consabido que as regras para alteração de uma norma, mesmo aquelas que julgamos injustas, é a mesma utilizada para sua criação, ou seja, a via legislativa. Ao admitir-se supressão, alteração, ab-rogação ou qualquer outro nome que se queira dar a essa inegável intrusão legislativa por via administrativa, estar-se-á abrindo tenebroso precedente.
Sim, porque a par da absoluta ausência de competência do Conselho para baixar resoluções que não estejam afetas àquelas capituladas no art. 103-B, §4º, inc. I da CF, como órgão administrativo de controle do Poder Judiciário que é, não poderia jamais substituir-se ao legislador, "dispensando" exigência expressa em lei.
Ao editar a aludida resolução, talvez o Conselho tenha se olvidado do risco da "venda" de crianças para estrangeiros, hipótese que num país miserável como o nosso não pode ser descartada, tanto que foi esse o móvel que animou o legislador na elaboração da norma.
Contudo, a resolução é tão perigosa pelo que regulamenta - talvez melhor diria: desregulamenta - quanto pelo que representa.
Uma vez admitida a alteração de norma legal por ato administrativo, estaremos submersos num estado de exceção, jungidos não às leis, mas ao que pensam os mandarins de plantão.
A indagação que se faz oportuna é, o que virá a seguir?
Concito os colegas a uma reflexão acerca do papel da magistratura diante de tamanha violência contra pilares da democracia e o estado de direito, lembrando o magistral poema No caminho, com Maiakowski, do brasileiro Eduardo Alves da Costa, escrito nos anos 60:
Na primeira noite, eles se aproximam
e colhem uma flor de nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem,
pisam as flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles, entra
sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua,
e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada.
* Rinaldo Forti Silva é Juiz de Direito em Rondônia
Pela leitura da resolução salta aos olhos que o CNJ nada mais fez que recomendar a não aplicação da norma, disciplinando novas regras para que crianças e adolescentes viagem ao exterior.
Embora reconhecidamente haja alguma discrepância nos procedimentos adotados pelas diversas varas da infância no Brasil, sobretudo no que tange às formalidades exigidas pelo dispositivo, bem como parecer excessivamente rigoroso o comando nele inserto - exigindo autorização judicial mesmo havendo concordância dos genitores - tenho que a resolução fere de morte os mais comezinhos princípios republicanos.
Pela leitura da resolução salta aos olhos que o CNJ nada mais fez que recomendar a não aplicação da norma, disciplinando novas regras para que crianças e adolescentes viagem ao exterior.
É consabido que as regras para alteração de uma norma, mesmo aquelas que julgamos injustas, é a mesma utilizada para sua criação, ou seja, a via legislativa. Ao admitir-se supressão, alteração, ab-rogação ou qualquer outro nome que se queira dar a essa inegável intrusão legislativa por via administrativa, estar-se-á abrindo tenebroso precedente.
Sim, porque a par da absoluta ausência de competência do Conselho para baixar resoluções que não estejam afetas àquelas capituladas no art. 103-B, §4º, inc. I da CF, como órgão administrativo de controle do Poder Judiciário que é, não poderia jamais substituir-se ao legislador, "dispensando" exigência expressa em lei.
Ao editar a aludida resolução, talvez o Conselho tenha se olvidado do risco da "venda" de crianças para estrangeiros, hipótese que num país miserável como o nosso não pode ser descartada, tanto que foi esse o móvel que animou o legislador na elaboração da norma.
Contudo, a resolução é tão perigosa pelo que regulamenta - talvez melhor diria: desregulamenta - quanto pelo que representa.
Uma vez admitida a alteração de norma legal por ato administrativo, estaremos submersos num estado de exceção, jungidos não às leis, mas ao que pensam os mandarins de plantão.
A indagação que se faz oportuna é, o que virá a seguir?
Concito os colegas a uma reflexão acerca do papel da magistratura diante de tamanha violência contra pilares da democracia e o estado de direito, lembrando o magistral poema No caminho, com Maiakowski, do brasileiro Eduardo Alves da Costa, escrito nos anos 60:
Na primeira noite, eles se aproximam
e colhem uma flor de nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem,
pisam as flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles, entra
sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua,
e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada.
* Rinaldo Forti Silva é Juiz de Direito em Rondônia