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Desembargador mantém posseiros em área de Itapuã

Segunda-feira, 29 Abril de 2013 - 09:43 | RONDONIAGORA


O desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia negou recurso a um suposto dono de extensa área de terra na cidade de Itapuã, área esta ocupada por dezenas de posseiros há alguns meses, desde que descobriram na Prefeitura que o local não “tinha dono”. Eles ocuparam o terreno, mas tempos depois foram surpreendidos com ações violentas do suposto proprietário Francisco Chagas Gomes Arruda. “..Utilizou pá carregadeira para derrubar os barracos, o que causou risco de morte aos ocupantes além de utilizar-se das autoridades locais como polícia militar para ameaçar os autores bem como praticar atos de violência como atirar balas de borracha que inclusive feriram crianças”, relata a ação no Tribunal de Justiça.



Na decisão que indeferiu o recurso do suposto dono da área, o desembargador considera que os posseiros agiram de boa fé. VEJA DECISÃO:

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Francisco Chagas Gomes Arruda nos autos da ação de manutenção de posse movida por Joel Pinheiro de Lima e outros

O agravante insurge-se contra a decisão interlocutória que deferiu a manutenção de posse nos seguintes termos:

[…]
Relatam os autores que tiveram a notícia de que o terreno sob litígio seria irregular nos registros da Prefeitura de Itapuã do Oeste sendo considerado então sem dono, de imediato com intuito de firmar residência e destinar à função social a área, se instalaram lá.
Afirmam ter o requerido se dirigido de forma violenta alegando ser o proprietário da área e exigindo sua retirada contudo não apresentando documento hábil sobre a suposta propriedade.

Dizem que o requerido vem usando de meios arbitrários para retirá-los do local, descrevendo que utilizou pá carregadeira para derrubar os barracos, o que causou risco de morte aos ocupantes além de utilizar-se das autoridades locais como polícia militar para ameaçar os autores bem como praticar atos de violência como atirar balas de borracha que inclusive feriram crianças.

Relatam que situação gerou um clima de tensão no município e já foi objeto de matérias da mídia estadual.

Realizada audiência de justificação determinou-se constatação in loco pelo oficial de justiça e advertidas as partes a não alterarem as condições do local, fl. 151.

Em fl. 160 o requerido alega descumprimento da ordem pelos autores que teriam construído novos barracos no local antes da diligência do oficial de justiça.

Acostado às fls. 181 certidão do Sr. Oficial de Justiça descreve a existência de 14 barracos precário sendo objeto de moradia e em sua maioria munidos de utensílios domésticos como fogão, colchões e panelas.

Os autores se manifestam dizendo que estão cumprindo as ordens proferidas em audiência de justificação prévia, não alterando as condições do local.

Alertam que as fotos juntadas para provar a suposta desobediência não são datadas e pelas imagens se refeririam à época de início da ocupação da área, junta fotos e reafirma o pedido liminar de manutenção da posse.

O requerido se manifestou defendendo ilegitimidade passiva por tratar-se o imóvel de propriedade de sua nora, SHEILA SARMENTO NINA ARRUDA, que exerceria a posse anterior sobre o local contudo fazendo seu sogro como procurador por residir próximo ao terreno enquanto a mesma nesta capital.

Relata que há situação semelhante noutro imóvel de Itapuã do Oeste, sendo este em nome de seus filhos, em tramite na 3ª Vara Cível sob numerações 0004051-14.2013.8.22.0001 e 0003527-17.2013.8.22.0001, nestes havendo liminar favorável aos supostos proprietários filhos do aqui requerido.

Traz documentos e informa que sua nora, a Sra. SHEILA SARMENTO NINA ARRUDA, ajuizou ação de reintegração de posse contra os aqui autores, referente a mesma área e pediu a distribuição por dependência, que em pesquisa ao SAP consta ter recebido numeração 0005051-49.2013.8.22.0001. Pede a extinção do atual processo.
Fundamento e decido.

Em primeiro lugar cabe destacar que a decisão liminar em casos desta natureza tem o condão de apenas deliberar quanto à questões emergenciais que necessitam ser determinadas provisoriamente enquanto tramita a ação, dessa forma não há apreciação prévia de mérito.

No presente caso percebe-se que as famílias dos autores se dirigiram ao local com o fim de firmar residência/moradia, sendo que pelos depoimentos se observa que não tem os mesmos residências própria. Informam que, anteriormente, viviam de favores noutros locais por vezes com familiares.

Além do mais, ressalto que, neste juízo superficial, não resta suficientemente clara a propriedade do requerido, uma vez que considerando as inconsistências documentais e ainda as próprias alegações do requerido de não ter a propriedade em conjunto com o argumento de que esta recai sobre a pessoa de sua nora que lhe constituiu como procurador para gerir o imóvel, não se extrai, com a definição necessária, o defendido direito de propriedade do requerido o qual será analisado melhor durante a instrução processual.
Por sua vez, mesmo que discutível durante o tramitar processual o direito possessório dos autores, é certo que se encontram no local com suas famílias, idosos e crianças e em condições de fragilidade tendo em vista a precariedade das instalações do local, bem como as mulheres grávidas que se encontram junto às famílias ocupantes.

Dessa forma se mostra claro o perigo da demora pela questão da segurança das famílias que lá se encontram uma vez que já foram objetos de abordagem agressiva no sentido de retirá-los do local, sendo presente o medo e ameaça ao qual estão submetidos, o que inviabiliza o gozo pleno de seus direitos da personalidade.
Não há demonstração, a priori, de má-fé contundente por parte dos Requerentes, uma vez que o animus dos autores se mostrou claro nos depoimentos e descrição fática dos autos direcionado no sentido de firmar moradia em local sem dono, dessa forma objetivam dar função social de habitação a dita área, que em análise constitucional é um direito que de forma programada se deseja concretizar a todos os brasileiros.

Ressalvo que, pelas fotos anexas aos autos e principalmente pelo vídeo assistido em audiência, sob o crivo da ampla defesa e do contraditório, restou sobejamente comprovado, de modo indubitável, que as famílias se encontram efetivamente no local há algum tempo, tempo este que justifica a posse, juntamente com seus utensílios domésticos, fogão, geladeira, cama, televisão, som, iluminação, morando por lá famílias com crianças, mulheres grávidas e, principalmente, em sede de juízo provisório, a posse e a perturbação da mesma, razão pela qual me leva a deferir o pleito de mantê-los, neste momento, na localidade.
Nessa linha de intelecção os julgados, senão vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA. TERRA PÚBLICA. DESOCUPAÇÃO. Em se tratando de única moradia adquirida de boa-fé por família com parcos recursos, a desocupação do local antes do término da lide causará dano irreparável ou de difícil reparação ainda que a residência tenha sido construída em terras de domínio do Município, devendo a família se manter na posse do imóvel até a resolução da lide. ( Não Cadastrado, N. 10000420080015278, Rel. Juiz Francisco Prestello de Vasconcellos, J. 20/05/2009)
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. FORMAÇÃO DE UM BAIRRO. ESTABILIZAÇÃO DE CENTENAS DE FAMÍLIAS. DIREITO À MORADIA E À HABITAÇÃO. FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE. PREPONDERÂNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE HUMANA. O direito constitucional da dignidade humana, satisfeito pelo direito à moradia e à habitação, compõe a função social que deve atender ao exercício possessório, mormente em se tratando de situações excepcionais em que é pleiteada a reintegração de posse de imóvel onde atualmente se encontra formado um bairro com a habitação de centenas de famílias.( Apelação Cível, N. 10000119980091064, Rel. Des. Marcos Alaor D. Grangeia, J. 17/05/2006)
Vale a pena trazer à tona fragmentos do voto do Des. Marcos Alaor tecido no voto da apelação acima exposta ementa:
(...)
O art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil aduz que o juiz, na aplicação da lei, deve atentar para os fins sociais e as exigências do bem comum.

A atual Constituição da República estabelece logo em seu art. 1º, III, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, de modo que os direitos fundamentais das pessoas são inafastáveis e componentes da dignidade e da personalidade humanas. O Direito Civil Clássico e Tradicional foi criado a partir da idéia da apropriação de bens e sua circulação.
O desenvolvimento dos institutos civis, e sobretudo a idéia de constitucionalização dos ramos do Direito, foi levando o Direito Contemporâneo à preocupação com a pessoa humana e seus direitos fundamentais. No Direito Clássico do Século XIX, o patrimônio da pessoa era considerado atributo de sua personalidade, ao passo que no Direito Contemporâneo o ser humano é concebido juridicamente de forma concreta e sob o aspecto da proteção de seus direito fundamentais. André Osório Godinho, em sua obra que analisa problemas do Direito Civil-Constitucional, traz a idéia de que a proteção à dignidade humana deve prevalecer sobre toda e qualquer relação jurídica patrimonial, vejamos seu escólio: A Constituição Federal procedeu clara opção pelos valores existenciais que exprimem a idéia de dignidade da pessoa humana, em superação do individualismo tão marcante em nosso ordenamento anterior. Os direitos patrimoniais devem se adequar à nova realidade, pois a pessoa prevalece sobre qualquer valor (Função Social da propriedade; Problemas de Direito Civil-Constitucional, 2000, p. 430). A partir da nova ótica da constitucionalização do Direito, todos os seus ramos devem ser observados e concebidos por meio dos princípios constitucionais constantes na Carta Política, em especial os relativos aos direitos e às garantias fundamentais do homem. O Direito Civil, ao consagrar a garantia da propriedade e da proteção possessória ante os direitos constitucionais de relevância social, deverá servir de instrumento para a efetivação de valores constitucionais, com vistas à justiça social e à dignidade da pessoa humana.É neste contexto que a doutrina que prega a função social da propriedade e da posse afirma que o conceito de que o exercício de todos ou parte dos poderes inerentes à propriedade deve seguir os limites da dignidade da pessoa humana. No caso em espécie, certamente os apelados são pessoas simples, humildes de pouca renda. Os autos demonstram a simplicidade de suas moradias e que a junção do rendimento de todos não foi suficiente sequer para arcar com laudos periciais. Deve-se ter o cuidado nessas ações de reintegração de posse quando a parte apelada é exatamente aquela que experimenta na prática, diretamente e em seu âmago, o problema social e o habitacional.

Também porque, muito embora singela a decisão no sentido de demolir moradia e de se afastar do local, trata-se de providência de extrema gravidade para a parte afetada que, é verdade, atinge o direito constitucional de moradia e agride o ser humano na sua dignidade. Os apelados são frutos do modelo econômico adotado pelo País.
Não pode o Estado aplicar cega e friamente a Lei em desfavor destas pessoas, enquanto o próprio Estado não se desimcumbiu da tarefa de construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e a marginalização, promovendo a dignidade da pessoa humana etc. O Direito não é estático, não se satisfaz na pura aplicação da Lei. O Direito também é fato social e realidade prática. Utilizando o pensamento de Ihering, se em um dos braços da justiça está a espada, noutro existe a balança, de modo que a aplicação da justiça somente é efetivada na utilização da aplicação da lei com vista à justiça social.
(…)
É certo que o dever e a atribuição de criar e dispor sobre as políticas públicas não são do Judiciário, muito menos às custas do direito de propriedade e de posse.

Entretanto, o mesmo Judiciário não é cego, nem surdo e muito menos indiferente aos reclamos sociais. Há anos todos os políticos pregam a moradia, a estruturação social do povo, a reforma agrária, porém não há implementação concreta e palpável.
(…)
Imerso neste contexto, tem-se que o esbulho possessório merece neste caso uma interpretação mais sistemática do que literal. A pessoa que invade a terra com ânimo de exploração deve ser tratada de forma diferenciada daquela que tem a vontade/necessidade da moradia.
No esbulho possessório há o dolo, a vontade de invadir com vistas à exploração da propriedade alheia em proveito próprio, com escopo de usufruir seus atributos, ou alterar os limites de domínio com objetivo de enriquecimento indevido.

Em casos como o presente, a maioria dos apelados objetiva a moradia e a estabilização de sua família.

O Código Civil de 2002, adotando justamente a teorização da função social da propriedade e da posse, veio a dispor, em seu art. 1.228, sobre a possibilidade de o proprietário ser privado da coisa. A despeito de trata-se de propriedade, o tema também alcança a posse, considerando que esta nada mais é que o exercício de fato de atributos daquela.
Ainda que não se aplique literalmente o supracitado artigo ao caso concreto, seus fundamentos teóricos servem de norte para verificar o relevo que a teoria da função social da propriedade e a da posse vêm ganhando no ordenamento jurídico pátrio.
(...)
O proprietário não fica sem mecanismo jurídico. Ressalve-se que lhe é garantido o direito de voltar-se contra o Poder Público pela eventual responsabilização no agravamento da ocupação na área em litígio, com a justa e conseqüente indenização.

Sendo assim, considerando todo o exposto e que há fumaça do bom direito no sentido da conduta dos autores por ora ser considerada movida pela boa fé e preenchedora dos demais requisitos a se resguardar o direito de posse, bem como o perigo da demora por estarem sofrendo ameaças e ações violentas para serem retirados do local como efetivamente provado nos autos até o presente momento, colocando em risco sua integridade física e de seus filhos menores, concedo MEDIDA LIMINAR de MANUTENÇÃO DA POSSE em favor dos autores.

Intime-se/cite-se pessoalmente o requerido quanto a decisão, salientando que nos termos do art. 930, § único do CPC o prazo para defesa contar-se-á do ato de intimação da decisão de concessão ou não da liminar, dessa forma tem 15 dias a contar da ciência desta decisão, para contestar a ação, sob pena de configurar revelia, presunção de veracidade dos fatos mencionados na inicial, devendo manifestar-se sobre todo o material e alegações já encontradas nos autos.

Cumpra-se com a MÁXIMA URGÊNCIA.

Cumpram-se todas as deliberações da audiência de justificação prévia. Em especial o encaminhamento de cópia ao Ministério Público para ciência dos fatos aqui relatados, em tese envolvendo fatos descritos como típicos, suposta irregularidade na atuação policial e/ou fatos descritos como supostos atos de improbidade administrativa em relação aos registros de propriedade de Itapuã do Oeste e exposição de menores à perigo e violência, tal expediente deve ser remetido com cópia em mídia de CD, incluindo o conteúdo nesse meio trazido aos autos.

Após a contestação, manifeste-se a autora em réplica quanto a todos os documentos juntados pelo requerido e principalmente sobre a tese de ilegitimidade passiva.

Porto Velho-RO, sexta-feira, 15 de março de 2013.
[…] (14/19)

As razões do agravo sustentam inicialmente a ilegitimidade passiva do agravante, afirmando que o imóvel em questão nunca se encontrou sob sua posse e muito menos é de sua propriedade. Menciona que o mesmo pertence a esposa de seu filho, Sra. Sheila Sarmento Nina Arruda, que o adquiriu em 2006.

Aduz que desde a aquisição do imóvel Sheila exerce posse sob o imóvel, realizando benfeitorias, tais como construção de duas casas em alvenaria, muro, cerca de arame liso, inclusive paga IPTU etc. Menciona que atua tão somente como procurador de Sheila, pois ela reside na cidade de Porto Velho e não na comarca de Itapuã do Oeste/RO.

Sustenta que as alegação de ausência de moradia pelos agravados são infundadas e que os vídeos juntados aos autos se referem a imóvel diverso daquele discutido na presente lide.

Consigna que a Sra. Sheila, possui posse anterior, mansa e pacífica sobre o imóvel antes do esbulho e que não se pode na presente via se adentrar na discussão acerca da propriedade.

Aduz que não há que se falar em turbação pelo agravante, porquanto é notório que os agravados que estão esbulhando a posse da Sra. Sheila, não permitindo que a mesma possa realizar atos relativos ao exercício da posse.

É o relatório.

Decido.

Para análise de recurso de agravo de instrumento em sede de liminar ou em decisão monocrática, impõe-se a demonstração da existência de um dano material ou processual e a razoabilidade dos argumentos de mérito expostos.

Sobre a razoabilidade dos argumentos articulados na petição de agravo, verifica-se que, nesta sede de cognição sumária, não possuem a força probante para desfazer os fundamentos constantes na decisão agravada, que estão alicerçados, inclusive, em prévia audiência de justificação.

Note-se que a questão possessória ainda vai ser objeto da instrução e será melhor analisada pelo juízo a quo no mérito da pretensão, de sorte que no momento processual em que se encontra o feito a medida mais prudente e adequada é a preservação do status quo no imóvel e a estabilização do iminente conflito que quase ocorreu entre os agravados e a força policial.

Essa preocupação se revela prioritária no caso pois no local se encontram famílias, idosos, crianças, que segundos as fotografias e imagens do local, objetivam precipuamente a moradia e não a exploração politico agrária.

Sobre os requisitos da concessão da liminar de reintegração de posse, tenho que, nesta fase e instância, o agravante não conseguiu desnaturar os fundamentos articulados na petição inicial e na decisão agravada. E a esse respeito, como dito, o trâmite do feito permitirá ao magistrado a análise mais profunda da área, do eventual esbulho ou turbação, dos vídeos e das alegações possessórias articuladas, podendo a qualquer tempo o juízo a quo pode reverter a liminar proferida.

Assim, nesta sede, vejo que a decisão concessiva da reintegração de posse deve ser mantida, ao menos até que o juiz de primeiro grau avalie outros elementos que poderão advir da instrução.

Ademais, não vislumbro risco de lesão grave e de difícil reparação ao direito material ou às normas processuais, de modo subsiste a desnecessidade de trâmite do presente agravo por instrumento.

Desta forma, por não vislumbrar perigo de lesão grave e de difícil reparação ao agravante, converto o presente agravo em retido, com fundamento no artigo 527, II do CPC.

Feitas as anotações necessárias, remeta-se ao primeiro grau.

Intimem-se.
Publique-se.
Cumpra-se.

Porto Velho - RO, 26 de abril de 2013.

Desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia

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