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Juiz Federal manda TRE divulgar remuneração dos servidores sem identificação nominal
Sábado, 04 Agosto de 2012 - 08:55 | Justiça Federal
A divulgação dos salários pagos pela Justiça Eleitoral/RO será feita sem a identificação nominal dos serventuários do T.R.E. Assim decidiu liminarmente o juiz da primeira vara federal, Marcelo Stival, em ação ordinária interposta pelo Sindicato dos Servidores da Justiça Eleitoral de Rondônia SINDJERO. A Corte Eleitoral rondoniense, entretanto, poderá fazer a divulgação dos vencimento dos seus servidores através de qualquer outra forma de identificação indireta - como a matrícula, por exemplo.
A entidade sindical argumentou em juízo que o ato de divulgação de salário dos servidores é ilegal e constitui afronta ao princípio da inviolabilidade da intimidade, ocorrendo ultraje aos termos da Lei de Acesso à Informação Pública (nº 12.527/2011). O sindicato disse, ainda, que o Decreto nº 7.724/12, do Poder Executivo, não se aplica aos servidores do Poder Judiciário e que haveria vício de legalidade de qualquer dispositivo regulamentar que inove à lei, em especial no que toca à divulgação nominal dos vencimentos dos servidores públicos.
A divulgação dos gastos públicos dos membros do Poder Judiciário encontra-se regulamentada pela Resolução Conselho Nacional de Justiça 102/09, com redação dada pela Resolução 151/2012, do CN J.
No entendimento do juiz que assinou a decisão liminar, a Lei de Acesso à Informação Pública traz no seu corpo a concretização do princípio da publicidade administrativa, prevista no artigo 37 da Constituição Federal. Segundo ele, o mérito da questão está no eventual conflito entre os princípios constitucionais da publicidade e da intimidade, ressaltando que a norma constitucional solidifica o princípio republicano que proporciona aos cidadãos a possibilidade de participação nos negócios públicos, mais precisamente no que concerne ao controle dos atos estatais.
O magistrado registrou textualmente que Vislumbra-se que a vontade da lei é trazer à Administração Pública ares de transparência, facilitando ao indivíduo o acesso a informações de seu interesse na condição de ator social, respeitando, porém, uma ampla esfera de direitos fundamentais espalhados elo ordenamento pátrio. Ademais, imperioso ressaltar que a referida lei não faz qualquer previsão no sentido da obrigatoriedade de divulgação de relação nominal dos salários e proventos dos servidores públicos.
Leia o inteiro teor da decisão:
De modo a melhor elucidar a questão, tenho como necessária a elaboração de breve relatório dos acontecimentos até então levados a cabo no processo.
Cuida-se de AÇÃO ORDINÁRIA interposta pelo SINDICATO DOS SERVIDORES DA JUSTIÇA ELEITORAL DE RONDÔNIA SINDJERO, devidamente qualificado na exordial, funcionando como substituto processual dos servidores lotados junto ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Rondônia, em face da UNIÃO, com o propósito de obstar a divulgação dos nomes dos substituídos processuais e suas respectivas remunerações, trazendo à consideração do juízo os seguintes fatos: a) Os substituídos processuais são servidores públicos civis federais lotados junto ao TRE-RO, regidos pela Lei n. 8.112/90; b) Após a publicação da Lei n. 12.527/11 (popularmente conhecida como Lei da Transparência), o Executivo Federal, com o propósito de regulamentá-la, editou o Decreto n. 7.724/12, de modo a dar eficácia à norma que trata do direito fundamental de acesso às informações referentes aos gastos públicos; c) À vista de tal normatização, de forma geral, os órgãos do Estado (latu sensu), dentre os quais se inclui o Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Rondônia, já estão preparados para divulgar as informações atinentes aos gastos públicos, em especial no que toca às folhas de rendimentos de seus servidores.
Elege como causa de pedir os seguintes pontos: a) Ilegalidade do ato administrativo consubstanciada na afronta ao princípio da inviolabilidade da intimidade; b) Ultraje aos termos da Lei n. 12.527/11, que prima pela preservação da intimidade; c) Inaplicabilidade do Decreto do Poder Executivo n. 7.724/12 aos servidores do Poder Judiciário; e, por fim, d) Vício de legalidade de qualquer dispositivo regulamentar que inove à lei, em especial no que toca à divulgação nominal dos vencimentos dos servidores públicos.
Ao fim postulou pela concessão in limine da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, de forma a afastar lesão ou ameaça de lesão aos direitos que alega estarem intimidados, juntando documentos que entende serem relevantes ao salutar deslinde do feito.
Atento aos julgamentos ocorridos país afora, e preocupado com a questão da litispendência, o juízo solicitou à Autora informações sobre eventual representatividade da CONFEDERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO BRASIL CSPB sobre os servidores do TRE-RO, tendo em vista existência de processo judicial em trâmite na Seção Judiciária do Distrito Federal com o mesmo objeto.
Devidamente atendida a solicitação, informou a Autora que não está filiada à CSPB, requerendo, consectariamente, o prosseguimento do feito.
É o relatório, passo a decidir.
Inicialmente convém analisar a questão da litispendência.
Um tema que faz surgir muitas dúvidas no cotidiano jurídico hodierno está afeto à questão da litispendência nas ações coletivas. Os inúmeros questionamentos vêm à tona, pois a roupagem desenhada pela legislação adjetiva civil para evitar o duplo julgamento do mesmo objeto pelo Poder Judiciário, não se amolda bem ao estereótipo da ação coletiva. Vejamos como a lei a define:
CPC - Art. 301 - § 1o Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.
CPC - Art. 301 - § 2o Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
Razão assiste a Didier e Zanetti quando ressalvam que a tríplice identidade dos elementos da demanda é apenas o caso mais emblemático de litispendência. Trata-se do exemplo mais claro do fenômeno. Mas não é o único (DIDIER; ZANETTI, 2009, p. 170).
Assim, tendo em vista que a definição legal de litispendência não foi pensada no contexto das ações coletivas, entendo que devemos perquirir a mens legis de forma a adequá-la à realidade que nos cerca.
As principais e mais lembradas questões de fundo quando se fala de litispendência é a prevenção de decisões contraditórias e o resguardo da segurança jurídica. Assim, proíbe-se a tramitação de processos idênticos com vistas a proteger a segurança social e a credibilidade das decisões judiciais.
Traçado o pano de fundo, convém alertar que nos casos de legitimação extraordinária, cujo estudo nos interessa em especial, devemos ter a atenção voltada à representatividade do legitimado especial, de forma a avaliar se os substituídos já se encontram representados em outro processo, dando novos ares interpretativos, desta forma, ao contido no art. 301, §2º do CPC. De forma mais direta, a ressalva aqui feita nos faz concluir que para a aferição da litispendência nas ações coletivas, a identidade de partes deve ser vista com foco nos substituídos, e não da parte que figura em juízo.
Diante do argumentado alhures, na espécie, não vislumbro a ocorrência de litispendência, eis que a parte Autora não é filiada à CSPB, não estando sujeita aos provimentos jurisdicionais emanados na Ação Ordinária n. 33326-48.2012.4.01.3400 da 22ª Vara da Seção Judiciária do DF.
Ademais, aplico analogicamente o art. 104 do CDC, ressalvando que, mesmo se existisse representatividade da CSPB com relação aos servidores do TRE-RO, o sindicato que lhes representa, ao ingressar com ação própria, abriu mão dos resultados do processo que tramita perante a Vara Federal da Seção Judiciária do DF.
Ultrapassado esse obstáculo, passemos ao objeto principal.
A questão de fundo reporta-se a eventual conflito entre os princípios constitucionais da publicidade e da intimidade.
A Lei n. 12.527/2011 traz em seu corpo a concretização do princípio da publicidade administrativa, positivado no art. 37 da Constituição Federal. Trata-se de solidificação do princípio republicano que proporciona aos cidadãos a possibilidade de participação nos negócios públicos, mais precisamente no que concerne ao controle dos atos estatais.
Vislumbra-se que a vontade da lei é trazer à Administração Pública ares de transparência, facilitando ao indivíduo o acesso a informações de seu interesse na condição de ator social, respeitando, porém, uma ampla esfera de direitos fundamentais espalhados elo ordenamento pátrio.
Diante da situação em tela, convém transcrever parcela da legislação em comento:
Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.
Como se pode depreender, a própria lei de regência tratou de resguardar as liberdades e garantias individuais, demonstrando respeito pelos valores mais caros da nossa sociedade, sem, contudo, tolher o acesso a informações de interesse público. Assim, no entender desse órgão pretoriano, não existe mácula legislativa a ponto de violar o princípio da proporcionalidade (substantive due process of law).
Ademais, imperioso ressaltar que a referida lei não faz qualquer previsão no sentido da obrigatoriedade de divulgação de relação nominal dos salários e proventos dos servidores públicos.
Desta feita, esse juízo entende que a referida norma não padece de inconstitucionalidade aparente, cabendo, porém, avaliar a adequação dos atos regulamentadores aos parâmetros por ela delineados.
Inicialmente, faz-se mister ressaltar que a divulgação dos gastos públicos dos membros do Poder Judiciário encontra-se regulamentada pela Resolução CNJ 102/09, com redação dada pela Resolução CNJ 151/2012. Assim, nesse ponto, resta ultrapassada a questão levantada pelo Autor acerca da inaplicabilidade do Decreto do Poder Executivo n. 7.724/12 aos membros do Poder Judiciário, eis que já existe regulamentação própria para tais integrantes do serviço público.
A bem da verdade, o ponto relevante no caso ora em estudo, no entender desse juízo, é trazido pelo art. 3º da Resolução CNJ 102/09, abaixo transcrito:
VI as remunerações, diárias, indenizações e quaisquer outras verbas pagas aos membros da magistratura e aos servidores a qualquer título, colaboradores e colaboradores eventuais ou deles descontadas, com identificação nominal do beneficiário e da unidade na qual efetivamente presta os seus serviços, na forma do Anexo VIII. (com redação dada pela Resolução CNJ 151/12).
Grifei
Nesse ponto, cabe asseverar que os argumentos trazidos à baila pelo autor mostram-se relevantes. De fato, razão assiste ao Autor quando, sob o manto da defesa do princípio da legalidade, aduz que a norma regulamentadora não pode extrapolar a norma regulamentada, que passou pelo crivo do povo.
Vejamos como trata a doutrina acerca do princípio da legalidade:
(...) quanto a certas matérias, a Constituição preferiu a lei como meio de actuação das disposições constitucionais, mas não proibiu a intervenção de outros actos legislativos, desde que a lei formal isso mesmo autorize, previamente, os princípios e objecto de regulamentação das matérias (reserva legislativa). (CANOTILHO, J. J. Gomes, 1998, p. 635)
Assim, para ser objetivo, não pode o decreto (salvo em raras exceções trazidas pela doutrina) inovar no ordenamento jurídico, sob pena de maceração de um dos princípios mais valiosos do ordenamento pátrio, qual seja, o da legalidade. Analisando-se a norma regulamentadora, vejo que houve excesso por parte do agente estatal, em especial quando determinou, ao alvedrio da lei, que fossem divulgadas as remunerações dos servidores de forma nominativa.
Ressalto que tal prática vai além da intenção da norma e fulmina direitos individuais dos servidores. A vinculação do nome do servidor à sua remuneração vai além do controle imposto à Administração Pública (legítimo) e passa para a esfera da curiosidade pública.
Acerca do princípio da intimidade, vejamos a transcrição abaixo:
O direito à intimidade é um direito especial ligado à essência do indivíduo, à sua personalidade, que consiste, na escorreita avaliação de Paulo José da Costa Jr., no direito de que dispõe o indivíduo de não ser arrastado para a ribalta contra a vontade. De subtrair-se à publicidade e de permanecer recolhido na sua intimidade. Diritto alla riservatezza, portanto, não é direito de ser reservado ou de comportar-se com reserva, mas o direito de manter afastados dessa esfera de reservas olhos e ouvidos indiscretos, e o direito de impedir a divulgação de palavras, escritos e atos realizados nessa esfera. (CUNHA JR., Dirley da, 2010, p. 685)
Demais disso, ressalva seja feita, a intenção da norma esculpida na Lei n. 12.157/11 é dar asas ao princípio da transparência e proporcionar, consectariamente o controle dos gastos públicos. Sobre o tema da publicidade e do acesso à informação, façamos referência à doutrina:
No plano jurídico-formal o princípio da publicidade aponta para a necessidade de que todos os atos administrativos estejam expostos ao público, que se pratiquem à luz do dia, até porque os agentes estatais não atuam para a satisfação de interesses pessoais, nem sequer da própria Administração, que, sabidamente, é apenas um conjunto de pessoas, órgãos, entidades e funções, uma estrutura, enfim, a serviço do interesse público, que, este sim, está acima de quaisquer pessoas. Prepostos da sociedade, que os mantém e legitima no exercício das suas funções, devem os agentes públicos estar permanentemente abertos à inspeção social, o que só se materializada com a publicação/publicidade dos seus atos. (MENDES, Gilmar Ferreira, 2009, p. 884)
A proteção constitucional à informação é relativa, havendo necessidade de distinguir as informações de fatos de interesse público, de vulneração de condutas íntimas e pessoais, protegidas pela inviolabilidade à vida privada, e que não podem ser devassadas de forma vexatória ou humilhante. (MORAES, Alexandre, 2007, p. 197)
Diante do exposto, inexistirá óbice ao controle da Administração Pública caso a divulgação dos vencimentos dos servidores públicos não seja feita através identificação nominativa dos salários. Em outras palavras, a divulgação pública da remuneração do funcionalismo público sem a identificação nominativa não obsta o controle social pela população e pelos órgãos competentes, desde que sejam dadas outras formas de identificar os recebedores de tais verbas públicas.
Nestas condições, à vista da fundamentação expendida, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de liminar para determinar à Ré que não divulgue a remuneração dos substituídos de forma nominativa, podendo, entretanto, fazer a divulgação através de qualquer outra forma de identificação indireta (verbi gratia, a matrícula), bem como divulgar as funções exercidas pelos servidores, unidade na qual trabalham, etc.
Cite-se, na forma da lei, e, após o decurso do prazo de contestação, encaminhe-se os autos ao Ministério Público Federal, tendo em vista estar configurada a hipótese delineada no art. 83, III, do CPC.
Intime-se a requerida para o cumprimento desta decisão.
Intimem-se.
Porto Velho-RO, 03 de agosto de 2012.
MARCELO STIVAL
Juiz Federal Substituto
A entidade sindical argumentou em juízo que o ato de divulgação de salário dos servidores é ilegal e constitui afronta ao princípio da inviolabilidade da intimidade, ocorrendo ultraje aos termos da Lei de Acesso à Informação Pública (nº 12.527/2011). O sindicato disse, ainda, que o Decreto nº 7.724/12, do Poder Executivo, não se aplica aos servidores do Poder Judiciário e que haveria vício de legalidade de qualquer dispositivo regulamentar que inove à lei, em especial no que toca à divulgação nominal dos vencimentos dos servidores públicos.
A divulgação dos gastos públicos dos membros do Poder Judiciário encontra-se regulamentada pela Resolução Conselho Nacional de Justiça 102/09, com redação dada pela Resolução 151/2012, do CN J.
No entendimento do juiz que assinou a decisão liminar, a Lei de Acesso à Informação Pública traz no seu corpo a concretização do princípio da publicidade administrativa, prevista no artigo 37 da Constituição Federal. Segundo ele, o mérito da questão está no eventual conflito entre os princípios constitucionais da publicidade e da intimidade, ressaltando que a norma constitucional solidifica o princípio republicano que proporciona aos cidadãos a possibilidade de participação nos negócios públicos, mais precisamente no que concerne ao controle dos atos estatais.
O magistrado registrou textualmente que Vislumbra-se que a vontade da lei é trazer à Administração Pública ares de transparência, facilitando ao indivíduo o acesso a informações de seu interesse na condição de ator social, respeitando, porém, uma ampla esfera de direitos fundamentais espalhados elo ordenamento pátrio. Ademais, imperioso ressaltar que a referida lei não faz qualquer previsão no sentido da obrigatoriedade de divulgação de relação nominal dos salários e proventos dos servidores públicos.
Leia o inteiro teor da decisão:
De modo a melhor elucidar a questão, tenho como necessária a elaboração de breve relatório dos acontecimentos até então levados a cabo no processo.
Cuida-se de AÇÃO ORDINÁRIA interposta pelo SINDICATO DOS SERVIDORES DA JUSTIÇA ELEITORAL DE RONDÔNIA SINDJERO, devidamente qualificado na exordial, funcionando como substituto processual dos servidores lotados junto ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Rondônia, em face da UNIÃO, com o propósito de obstar a divulgação dos nomes dos substituídos processuais e suas respectivas remunerações, trazendo à consideração do juízo os seguintes fatos: a) Os substituídos processuais são servidores públicos civis federais lotados junto ao TRE-RO, regidos pela Lei n. 8.112/90; b) Após a publicação da Lei n. 12.527/11 (popularmente conhecida como Lei da Transparência), o Executivo Federal, com o propósito de regulamentá-la, editou o Decreto n. 7.724/12, de modo a dar eficácia à norma que trata do direito fundamental de acesso às informações referentes aos gastos públicos; c) À vista de tal normatização, de forma geral, os órgãos do Estado (latu sensu), dentre os quais se inclui o Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Rondônia, já estão preparados para divulgar as informações atinentes aos gastos públicos, em especial no que toca às folhas de rendimentos de seus servidores.
Elege como causa de pedir os seguintes pontos: a) Ilegalidade do ato administrativo consubstanciada na afronta ao princípio da inviolabilidade da intimidade; b) Ultraje aos termos da Lei n. 12.527/11, que prima pela preservação da intimidade; c) Inaplicabilidade do Decreto do Poder Executivo n. 7.724/12 aos servidores do Poder Judiciário; e, por fim, d) Vício de legalidade de qualquer dispositivo regulamentar que inove à lei, em especial no que toca à divulgação nominal dos vencimentos dos servidores públicos.
Ao fim postulou pela concessão in limine da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, de forma a afastar lesão ou ameaça de lesão aos direitos que alega estarem intimidados, juntando documentos que entende serem relevantes ao salutar deslinde do feito.
Atento aos julgamentos ocorridos país afora, e preocupado com a questão da litispendência, o juízo solicitou à Autora informações sobre eventual representatividade da CONFEDERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO BRASIL CSPB sobre os servidores do TRE-RO, tendo em vista existência de processo judicial em trâmite na Seção Judiciária do Distrito Federal com o mesmo objeto.
Devidamente atendida a solicitação, informou a Autora que não está filiada à CSPB, requerendo, consectariamente, o prosseguimento do feito.
É o relatório, passo a decidir.
Inicialmente convém analisar a questão da litispendência.
Um tema que faz surgir muitas dúvidas no cotidiano jurídico hodierno está afeto à questão da litispendência nas ações coletivas. Os inúmeros questionamentos vêm à tona, pois a roupagem desenhada pela legislação adjetiva civil para evitar o duplo julgamento do mesmo objeto pelo Poder Judiciário, não se amolda bem ao estereótipo da ação coletiva. Vejamos como a lei a define:
CPC - Art. 301 - § 1o Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.
CPC - Art. 301 - § 2o Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
Razão assiste a Didier e Zanetti quando ressalvam que a tríplice identidade dos elementos da demanda é apenas o caso mais emblemático de litispendência. Trata-se do exemplo mais claro do fenômeno. Mas não é o único (DIDIER; ZANETTI, 2009, p. 170).
Assim, tendo em vista que a definição legal de litispendência não foi pensada no contexto das ações coletivas, entendo que devemos perquirir a mens legis de forma a adequá-la à realidade que nos cerca.
As principais e mais lembradas questões de fundo quando se fala de litispendência é a prevenção de decisões contraditórias e o resguardo da segurança jurídica. Assim, proíbe-se a tramitação de processos idênticos com vistas a proteger a segurança social e a credibilidade das decisões judiciais.
Traçado o pano de fundo, convém alertar que nos casos de legitimação extraordinária, cujo estudo nos interessa em especial, devemos ter a atenção voltada à representatividade do legitimado especial, de forma a avaliar se os substituídos já se encontram representados em outro processo, dando novos ares interpretativos, desta forma, ao contido no art. 301, §2º do CPC. De forma mais direta, a ressalva aqui feita nos faz concluir que para a aferição da litispendência nas ações coletivas, a identidade de partes deve ser vista com foco nos substituídos, e não da parte que figura em juízo.
Diante do argumentado alhures, na espécie, não vislumbro a ocorrência de litispendência, eis que a parte Autora não é filiada à CSPB, não estando sujeita aos provimentos jurisdicionais emanados na Ação Ordinária n. 33326-48.2012.4.01.3400 da 22ª Vara da Seção Judiciária do DF.
Ademais, aplico analogicamente o art. 104 do CDC, ressalvando que, mesmo se existisse representatividade da CSPB com relação aos servidores do TRE-RO, o sindicato que lhes representa, ao ingressar com ação própria, abriu mão dos resultados do processo que tramita perante a Vara Federal da Seção Judiciária do DF.
Ultrapassado esse obstáculo, passemos ao objeto principal.
A questão de fundo reporta-se a eventual conflito entre os princípios constitucionais da publicidade e da intimidade.
A Lei n. 12.527/2011 traz em seu corpo a concretização do princípio da publicidade administrativa, positivado no art. 37 da Constituição Federal. Trata-se de solidificação do princípio republicano que proporciona aos cidadãos a possibilidade de participação nos negócios públicos, mais precisamente no que concerne ao controle dos atos estatais.
Vislumbra-se que a vontade da lei é trazer à Administração Pública ares de transparência, facilitando ao indivíduo o acesso a informações de seu interesse na condição de ator social, respeitando, porém, uma ampla esfera de direitos fundamentais espalhados elo ordenamento pátrio.
Diante da situação em tela, convém transcrever parcela da legislação em comento:
Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.
Como se pode depreender, a própria lei de regência tratou de resguardar as liberdades e garantias individuais, demonstrando respeito pelos valores mais caros da nossa sociedade, sem, contudo, tolher o acesso a informações de interesse público. Assim, no entender desse órgão pretoriano, não existe mácula legislativa a ponto de violar o princípio da proporcionalidade (substantive due process of law).
Ademais, imperioso ressaltar que a referida lei não faz qualquer previsão no sentido da obrigatoriedade de divulgação de relação nominal dos salários e proventos dos servidores públicos.
Desta feita, esse juízo entende que a referida norma não padece de inconstitucionalidade aparente, cabendo, porém, avaliar a adequação dos atos regulamentadores aos parâmetros por ela delineados.
Inicialmente, faz-se mister ressaltar que a divulgação dos gastos públicos dos membros do Poder Judiciário encontra-se regulamentada pela Resolução CNJ 102/09, com redação dada pela Resolução CNJ 151/2012. Assim, nesse ponto, resta ultrapassada a questão levantada pelo Autor acerca da inaplicabilidade do Decreto do Poder Executivo n. 7.724/12 aos membros do Poder Judiciário, eis que já existe regulamentação própria para tais integrantes do serviço público.
A bem da verdade, o ponto relevante no caso ora em estudo, no entender desse juízo, é trazido pelo art. 3º da Resolução CNJ 102/09, abaixo transcrito:
VI as remunerações, diárias, indenizações e quaisquer outras verbas pagas aos membros da magistratura e aos servidores a qualquer título, colaboradores e colaboradores eventuais ou deles descontadas, com identificação nominal do beneficiário e da unidade na qual efetivamente presta os seus serviços, na forma do Anexo VIII. (com redação dada pela Resolução CNJ 151/12).
Grifei
Nesse ponto, cabe asseverar que os argumentos trazidos à baila pelo autor mostram-se relevantes. De fato, razão assiste ao Autor quando, sob o manto da defesa do princípio da legalidade, aduz que a norma regulamentadora não pode extrapolar a norma regulamentada, que passou pelo crivo do povo.
Vejamos como trata a doutrina acerca do princípio da legalidade:
(...) quanto a certas matérias, a Constituição preferiu a lei como meio de actuação das disposições constitucionais, mas não proibiu a intervenção de outros actos legislativos, desde que a lei formal isso mesmo autorize, previamente, os princípios e objecto de regulamentação das matérias (reserva legislativa). (CANOTILHO, J. J. Gomes, 1998, p. 635)
Assim, para ser objetivo, não pode o decreto (salvo em raras exceções trazidas pela doutrina) inovar no ordenamento jurídico, sob pena de maceração de um dos princípios mais valiosos do ordenamento pátrio, qual seja, o da legalidade. Analisando-se a norma regulamentadora, vejo que houve excesso por parte do agente estatal, em especial quando determinou, ao alvedrio da lei, que fossem divulgadas as remunerações dos servidores de forma nominativa.
Ressalto que tal prática vai além da intenção da norma e fulmina direitos individuais dos servidores. A vinculação do nome do servidor à sua remuneração vai além do controle imposto à Administração Pública (legítimo) e passa para a esfera da curiosidade pública.
Acerca do princípio da intimidade, vejamos a transcrição abaixo:
O direito à intimidade é um direito especial ligado à essência do indivíduo, à sua personalidade, que consiste, na escorreita avaliação de Paulo José da Costa Jr., no direito de que dispõe o indivíduo de não ser arrastado para a ribalta contra a vontade. De subtrair-se à publicidade e de permanecer recolhido na sua intimidade. Diritto alla riservatezza, portanto, não é direito de ser reservado ou de comportar-se com reserva, mas o direito de manter afastados dessa esfera de reservas olhos e ouvidos indiscretos, e o direito de impedir a divulgação de palavras, escritos e atos realizados nessa esfera. (CUNHA JR., Dirley da, 2010, p. 685)
Demais disso, ressalva seja feita, a intenção da norma esculpida na Lei n. 12.157/11 é dar asas ao princípio da transparência e proporcionar, consectariamente o controle dos gastos públicos. Sobre o tema da publicidade e do acesso à informação, façamos referência à doutrina:
No plano jurídico-formal o princípio da publicidade aponta para a necessidade de que todos os atos administrativos estejam expostos ao público, que se pratiquem à luz do dia, até porque os agentes estatais não atuam para a satisfação de interesses pessoais, nem sequer da própria Administração, que, sabidamente, é apenas um conjunto de pessoas, órgãos, entidades e funções, uma estrutura, enfim, a serviço do interesse público, que, este sim, está acima de quaisquer pessoas. Prepostos da sociedade, que os mantém e legitima no exercício das suas funções, devem os agentes públicos estar permanentemente abertos à inspeção social, o que só se materializada com a publicação/publicidade dos seus atos. (MENDES, Gilmar Ferreira, 2009, p. 884)
A proteção constitucional à informação é relativa, havendo necessidade de distinguir as informações de fatos de interesse público, de vulneração de condutas íntimas e pessoais, protegidas pela inviolabilidade à vida privada, e que não podem ser devassadas de forma vexatória ou humilhante. (MORAES, Alexandre, 2007, p. 197)
Diante do exposto, inexistirá óbice ao controle da Administração Pública caso a divulgação dos vencimentos dos servidores públicos não seja feita através identificação nominativa dos salários. Em outras palavras, a divulgação pública da remuneração do funcionalismo público sem a identificação nominativa não obsta o controle social pela população e pelos órgãos competentes, desde que sejam dadas outras formas de identificar os recebedores de tais verbas públicas.
Nestas condições, à vista da fundamentação expendida, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de liminar para determinar à Ré que não divulgue a remuneração dos substituídos de forma nominativa, podendo, entretanto, fazer a divulgação através de qualquer outra forma de identificação indireta (verbi gratia, a matrícula), bem como divulgar as funções exercidas pelos servidores, unidade na qual trabalham, etc.
Cite-se, na forma da lei, e, após o decurso do prazo de contestação, encaminhe-se os autos ao Ministério Público Federal, tendo em vista estar configurada a hipótese delineada no art. 83, III, do CPC.
Intime-se a requerida para o cumprimento desta decisão.
Intimem-se.
Porto Velho-RO, 03 de agosto de 2012.
MARCELO STIVAL
Juiz Federal Substituto