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UNIR: a crise é de confiança
Segunda-feira, 03 Outubro de 2011 - 11:29 | Osmar Siena
Osmar Siena[i]
Os acontecimentos da última semana e a frase “perdemos o salvo conduto do ‘risco calculado’ nesta greve” acompanhada de constatações expressas por uma colega de docência me impeliram a expressar publicamente posição sobre o momento atual da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
O confronto da última assembleia é inútil. Como é inútil e perigosa a tentativa sorrateira de convocar assembleia dos docentes em dia diferente do pactuado e longe do Campus. Discutir se continuamos ou acabamos com a greve neste momento não tem a menor importância por que a questão principal não é esta. Isto é apenas medir forças infantilmente. Acabar com a greve agora à força é prolongar uma crise com consequências ainda menos previsíveis. A UNIR e a sociedade não precisam saber quem tem mais poder de mobilização. Não precisamos e não devemos aceitar essa incitação a confronto entre docentes e entre docentes e discentes.
No ponto que chegamos optar pela greve ou continuar trabalhando, não faz a mínima diferença; ninguém sairá ileso deste processo. É no mínimo ingênuo pensar assim, pois já perdemos o salvo conduto do "risco calculado" numa greve que iniciou tardia e de forma atropelada. Não há retorno. O momento requer lucidez e humildade das lideranças na busca de alternativas no contexto das regras democráticas e respeito aos princípios da autonomia universitária. Mas, isto exige autocrítica para exercer o direito à crítica contundente e racional. E nós docentes precisamos fazer a nossa. Eu preciso fazer a minha.
Como trabalhadores da educação no nível superior estamos insatisfeitos com a gestão da UNIR e já há algum tempo. Não bastasse o sucateamento da universidade pública e ainda sofrermos rápida e muitas vezes disfarçada proletarização do nosso trabalho em nível nacional ainda temos que conviver com a má gestão da UNIR, envolvendo inclusive suspeitas, nunca esclarecidas, de malversação do dinheiro público, desrespeito às instâncias superiores da universidade e a procedimentos da boa gestão pública. Mas, salvo atuações individuais, no conjunto ficamos inertes, imobilizados, acomodados durante muito tempo, deixando a administração atual fazer o que queria com as instâncias deliberativas e gestoras. É igualmente grave quando agimos do mesmo modo em relação a alguma direção de Unidade, cujos docentes dirigentes, embora eleitos pela comunidade, se comportam como “ingênuos” institores do gerente geral. Ingênuos ou não, defendem seu próprio quinhão. Mas todos, com esse comportamento, endossam e reforçam a prática condenável de troca de direitos por apoio incondicional.
No conjunto, fomos testemunhas silenciosas de uma lenta e gradual ocupação do espaço acadêmico e administrativo por pessoas despreparadas para conduzir a educação como bem público e honrar a responsabilidade social da Instituição, mas extremamente competentes para administrar interesses próprios. Fomos pouco vigilantes aos sinais de problemas na gestão dos recursos colocados na Fundação de Apoio (Riomar). Permitimos que a Riomar fosse dirigida por gente estranha a UNIR com o pretexto de impedimento legal, apesar de não termos notícia de fundação de apoio dirigida por pessoas estranhas ao quadro da universidade. A comunidade não permite pela simples razão de que a fundação é parte da instituição. Não demos a devida importância aos indícios de problemas em concursos. Por corporativismo ou melindre não exercitamos a verdade acadêmica, chamando à razão nossos colegas que participaram de bancas com suspeitas de resultados direcionados. Enfim, não pensamos como coletivo a beneficiar o todo e, por isso, fomos atropelados.
Ao permitir que direção da UNIR desprezasse qualquer tipo de planejamento, crítica e avaliação (inclusive a institucional), viramos moeda de troca de votos pela abertura de novas Unidades (a UNIR continua irregularmente criando novas Unidades como se mais dirigentes resolvesse seus problemas), cursos e turmas sem capacidade instalada e sem a menor condição de negociar com a política nacional maior. Como já foi lembrado por outro docente, aqueles que não aceitaram a forma como a UNIR aprovou sua adesão ao REUNI foram rotulados de inimigos da expansão do ensino superior público, contrários ao desenvolvimento de Rondônia, etc. O mesmo ocorre hoje com outros programas, como a Educação a Distância (EaD). A qualquer crítica dizem que seus autores são retrógrados ou que não querem a universalização da educação superior. Por comodismo ou pensando na bolsa como forma justa, honesta e necessária de complementação salarial, o fato é que permitimos a gestão (principalmente financeira) desses programas fora das instâncias normais da UNIR; aprovamos um número de cursos e turmas que não somos capazes de sustentar e, por isso, em alguns casos fechamos os olhos quando pessoas fora do quadro atuam como se fossem docentes da Instituição. Esses programas não entrarão em crise, pois já estão nela também.
No coletivo, também ignoramos solenemente todos os processos e avanços internos já alcançados. Erramos ao não rejeitar veementemente na arena política e jurídica as ações prejudiciais à Universidade e a prática de substituir a decisão colegiada por Ad Referendum, imaginando deixar exposta a administração e seu gelatinoso e movediço quadro diretivo e de apoio. Ledo engano: ela buscou fortalecimento fora da UNIR. Em contra partida não fortalecemos as instâncias que poderiam monitorar suas ações, nos fragmentamos cada um (a) procurando seus próprios recursos para manter a sua área funcionando, alguns inclusive negociando diretamente com o próprio reitor que utilizou uma estratégia de cooptação e fragmentação. E a reitoria continua com essa prática e isto dificulta a busca de solução.
Não vou falar que a reitoria dificulta ao divulgar o equivocado documento afirmando que 95% das reivindicações já estavam sendo atendidas porque imagino ter sido obra de assessoria que não conhece a Universidade ou que, por insatisfação com a reitoria, pretendeu convocar todos à greve. O Reitor dificulta negociando o fim da greve com meia dúzia de docentes deste ou daquele Departamento, com uma ou outra Direção de Campus. Dificulta quando coloca toda a direção da UNIR numa assembleia de greve, que todos sabíamos antecipadamente que seria tensa, como se fossem líderes sindicais ou monitores com câmara filmadora. Dificulta quando pratica ato que pode ser interpretado como assédio moral ao telefonar para docentes lembrando que eles estão em estágio probatório. Do mesmo modo, dificulta o Diretor de Unidade que reúne os docentes, com registro em ata, determina que compareçam em sala de aula e mesmo que os alunos estejam em greve coloquem faltas. Tudo isso só serve para fragmentar ainda mais uma Universidade muito dividida. Não percebem que prometer a contratação de mais um ou dois professores ou distribuir um micro-ônibus neste momento tem pouca ou nenhuma importância a não ser para aqueles que querem tirar proveito da greve. Não avaliam que forçar a volta às aulas é prolongar uma crise que é muito séria. Ainda não concluíram, apesar do que escreveu o professor Ari Ott na semana passada, que a questão central não é a falta de coisas básicas, certamente necessárias, mas de crise de confiança.
A Direção da Adunir dificulta ao tentar se equilibrar numa pinguela roliça besuntada. Beira a irresponsabilidade política tentar representar a categoria docente e, perante esta, tentar representar as posições da reitoria. Pouco importa se voltei ou não na atual diretoria da Adunir. Eleita e tendo tomado posse, essa é a diretoria que me representa enquanto categoria docente. Não importa se os diretores da Adunir são a favor ou contra a greve. Declaradas em Assembleia, a Diretoria do Sindicato têm obrigação legal e ética de assumir como suas as reivindicações, independente das razões e/ou motivações. Dificulta ao não defender publicamente os docentes, agindo com rigor contra as ameaças de retaliação aos professores em estágio probatório. Dificulta ao patrocinar ou concordar com convocação de assembleia fora do pactuado e longe do campus. O mínimo de prudência recomenda que as lideranças precisam encontram alternativas antes de reunir a categoria e neste momento não há razões objetivas para discutir continuidade ou fim da greve.
A categoria docente não contribui para solução ao fazer mudança de pauta no afogadilho, embora com muitas razões que justifiquem. Nossas lideranças não contribuem quando não entram em acordo sobre a pauta e não atuam de forma concreta e ágil para sua implementação. Temos certeza que a ninguém interessa a intervenção: nem comando nem docentes desejam e aceitam essa possibilidade. Portanto, fundamental ter e divulgar com clareza: uma coisa é defender a interrupção de mandato, outra é o afastamento temporário do dirigente para apuração de denúncias. Como não acreditamos que o Reitor irá abdicar e circunstâncias que levem a renúncia não são planejadas, pela pauta dos docentes e se há argumentos suficientes, resta exigir o afastamento pela instauração de processo administrativo pelo MEC. Portanto, a arena deixa de ser interna e passa ser os gabinetes do Ministério. Com ou sem greve.
Por tudo isso, somos forçados a reconhecer que as lideranças diretamente envolvidas na greve ou não querem ou perderam a condição de interlocução: por vontade deliberada ou por crise de percepção. Agora, infelizmente, precisam ter coragem para buscar interlocutores confiáveis dentro e/ou fora da Universidade.
Internamente esse papel seria reservado ao Conselho Universitário (CONSUN). Mas, onde está o Conselho que não é convocado ou não é autoconvocado no momento de crise aguda da Instituição? Simples a resposta. As partes não o reconhecem como autônomo o suficiente para afiançar uma negociação e/ou impor as medidas saneadoras necessárias. E esta é talvez uma das principais origens dessa crise. Os Conselhos Superiores foram subjugados e nós docentes permitimos (somos maioria na composição). O CONSUN ficou de joelhos mesmo antes da posse do Reitor para o primeiro mandato ao se permitir rasgar o Estatuto da Universidade, colocando no lixo o processo de consulta à comunidade e fazendo um novo apenas no Colegiado com a desculpa de legalizar (sic) a elaboração da lista. E o MEC foi conivente com esta situação. Mas, o tiro de misericórdia foi dado com a Reunião para aprovação do Reuni, realizada a portas trancadas e protegidas pela Aeronáutica. Cometemos erros – e todos estamos sujeitos a eles – precisamos reconhecê-los e, contra ou a favor da greve, sair do imobilismo que marcou nossa atuação como docentes nos últimos tempos; não devemos mais errar pela omissão que pode até mesmo se transformar em conivência. Portanto, imperioso recuperar a autonomia e credibilidade dos Conselhos Superiores se desejamos restaurar a confiança interna. Se necessário devemos reformular suas composições. Imediatamente. Não acredito em solução duradoura fora das nossas instâncias. Ninguém poderá fazer aquilo que é nossa responsabilidade. A confiança não será reestabelecida por lei, decreto, portaria ou termo de ajuste de conduta.
A interlocução fora da Universidade deve ser buscada e aceita se não houver possibilidades internas. Mas tenhamos clareza que isto é paliativo. Ela pode contribuir para remover a ponta do iceberg, mas não removerá a causa da crise. Não restaurará a confiança nas instâncias deliberativas e gestores. Muito menos a confiança entre nós.
[i] Docente do Departamento e do Mestrado em Administração da UNIR
(A construção do texto contou com a colaboração de colegas docentes)
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