Política
ASSEMBLEIA GARANTE RENDA EXTRA PARA COMISSIONADOS COM DIÁRIAS - Por Ivonete Gomes
Domingo, 10 Novembro de 2013 - 11:01 | Ivonete Gomes
A expressão "À mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta" é datada do século I antes de Cristo e, atemporal, atravessa milênios por intrinsicamente abordar comportamentos aparentemente hipócritas. A autoria do aforismo é atribuída ao primeiro imperador romano, Júlio Cesar. Dizem relatos que o ditador mantinha três esposas e era acometido de extremo zelo pela imaculada imagem pública.
Há duas versões para o surgimento da frase. A mais plausível, de acordo com a história, veio de situação ocorrida com Calpúrnia. Júlio Cesar, que mantinha um caso extraconjungal com Cleópatra em Alexandria, teria ordenado a um aliado para espalhar boatos de que a própria esposa o estava traindo. A fofoca se espalhou facilmente por todo o império e, meses depois, ao retornar para Roma o imperador, supostamente traído, pediu o divórcio.
Jurando inocência, Calpúrnia questionou os motivos da decisão e recebeu de volta a assertiva dando conta de que o “parecer” e o “ser” honesto de César dividiam uma mesma posição em escala de importância.
A reflexão de Júlio César é demasiadamente usada em críticas a políticos mundo afora. Mostra o quanto o discurso deve caminhar lado a lado com ações e comportamento. Nesse contexto façamos comparação da mulher de César - que mesmo inocente pareceu traidora aos olhos do povo romano - à nossa atual politicagem tupiniquim rondoniense, mantendo aparência e verdade, sem detrimento uma à outra.
Há alguns meses, o governo do estado anunciou corte em gastos, redução de salários e congelamento de pagamento de algumas pecúnias a servidores. Na semana passada, este Rondoniagora mostrou que, pelo menos, dois assessores de primeiro escalão mantiveram-se como exceção a regra. As explicações da dupla foram de certa forma coerentemente verdadeiras, mas popularmente falsas.
Por outro lado, se a esposa de Júlio Cesar fosse a Assembleia Legislativa de Rondônia a história não teria terminado somente em divórcio. O ano de 2013 foi marcado por uma suposta luta para manter os gastos com folha no teto da Lei de Reponsabilidade Fiscal. Em março houve uma demissão em massa de comissionados para recontratação no mês subsequente com redução de 20% nas gratificações. A balança entre “parecer” e “estar” cumprindo a legislação não deu certo e em julho o Legislativo estabeleceu uma nova estrutura organizacional no quadro por orientação do Tribunal de Contas. Desta forma o presidente da casa Hermínio Coelho (PSD) manteve os custos com a folha reduzidos.
As ações do chefe da assembleia poderiam ser verdadeiras se nos atentássemos somente ao que reza o Manual de Demonstrativos Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional no quesito DIÁRIAS. Trocando em miúdos, diárias e auxílios não devem ser considerados no cálculo da despesa bruta com pessoal.
Mas, o Diário Oficial da Assembleia vem trazendo informações que colocam Hermínio em situação extremamente antagônica. Se por um lado critica o governador Confúcio Moura (PMDB) por gastos com segurança, por outro não economiza com passagens aéreas de diária a assessores. Ou seja, mantém a folha no patamar do que determina a lei, mas vem, aparentemente, utilizando diárias para complemento de salários, saindo do conceito do manual de que “as despesas indenizatórias são aquelas cujo recebimento possui caráter eventual e transitório”.
Levantamento “en passant” indica que entre janeiro e outubro a presidência da ALE gastou cerca de R$ 3 milhões em diárias. O número deve ser superiormente maior ao final do ano, quando somadas as diárias e despesas das chamadas Assembleias Itinerantes. Somente um, entre os vários assessores de imprensa do presidente, já recebeu 66 diárias (fora as sete desta semana) e, pasme o leitor, boa parte pagas em viagens ao município de Vilhena onde, coincidentemente, tem parentes. A quantidade de diárias do assessor corresponde a dois meses de trabalho fora da sede do Legislativo. As viagens para Belém, Manaus, São Paulo e Recife tornaram-se corriqueiras. Portanto, não há que se falar em caráter “eventual e transitório” determinado por lei.
No que se refere à transparência de gastos, a Assembleia está resumida aos discursos inflamados do presidente Hermínio Coelho. O Tribunal de Contas detectou graves irregularidades na forma como o poder vem divulgando os atos pelo Portal Transparência.
- “A manutenção da presente situação, além de configurar grave irregularidade, prejudica e, até mesmo, impossibilita o conhecimento de suas ações, bem como a possível fiscalização exercida pelo povo, objetivo intrínseco ao princípio da publicidade e à legislação pertinente.” – diz o conselheiro relator Edilson Silva.
Vê-se que, infelizmente, entre “parecer” e “ser”, a Assembleia Legislativa é a legítima mulher de César.