Política
ENFERMEIRA DENUNCIADA POR LIBERAR R$ 6 MILHÕES A GRUPO DE VALTER ARAÚJO NÃO CONSEGUE MANDADO PARA NÃO TRABALHAR
Segunda-feira, 25 Junho de 2012 - 10:18 | RONDONIAGORA
Decisão do desembargador Gilberto Barbosa, mandou arquivar nesta segunda-feira, mandado de segurança impetrado pela enfermeira Josefa Lourdes Ramos, denunciada por ato de improbidade administrativa por ter descumprindo ordem judicial e ter depositado R$ 6 milhões de reais na conta da empresa REFLEXO CONSERVAÇÃO E LIMPEZA LTDA., de propriedade do ex-presidente da Assembleia Valter Araújo, segundo narrativa do Ministério Público do Estado (MPE). Josefa estava revoltada com recomendação feita pelo MP para que não fosse renovada licença para estudo e foi ao Judiciário dizendo que recente concurso público chamaria novos profissionais, não havendo necessidade de trabalhar no momento.
O desembargador negou o pedido, por ausência dos requisitos essenciais para conhecimento da ação. Gilberto Barbosa citou ainda que o ato foi motivado em recomendação do Ministério Público na observância de seu dever legal.
Em 2 de dezembro de 2.010, Josefa Lourdes Ramos, então secretária-adjunta, foi notificada pelo juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública, Rogério Montai de Lima, para que sustasse imediatamente qualquer pagamento a empresa REFLEXO CONSERVAÇÃO E LIMPEZA LTDA. De nada adiantou. Exatas quatro semanas depois a Secretaria mandou pagar a empresa de Valter Araújo. Confira decisão:
Vistos etc.
Cuida-se de Mandado de Segurança, com pedido liminar, impetrado por Josefa Lourdes Ramos em razão de aventada ilegalidade praticada pelo Governador do Estado de Rondônia.
Diz ser servidora pública estadual, ocupante do cargo de enfermeira, e ter se especializado em gestão de saúde pela UNICAMP, concluindo mestrado pela Universidade Federal de Rondônia.
Informa ter sido aprovada no curso de doutorado pela UNB, no qual ingressou em 2009, sob a matrícula nº 09/0102266, quando, até então, vinha cumprindo as responsabilidades acadêmicas e conciliando-as com as atividades profissionais/laborais do cargo ocupado.
Noticia que as etapas de campo e experimento laboratorial da especialização são incompatíveis com a jornada de trabalho normal, o que motivou a solicitação e concessão da licença remunerada. Entretanto, por recomendação do Ministério Público, teve suspensa a licença pra qualificação profissional, sob o argumento de que estaria contrariando o interesse público.
Sustenta a ocorrência de prejuízo ao Estado e às pessoas envolvidas no referido estudo, pois a pesquisa de campo envolve 220 mulheres e, atualmente, encontra-se na fase de análise laboratorial.
Busca o provimento jurisdicional para ter resguardado direito próprio e de terceiros, considerando que o Estado, recentemente, deflagrou concurso público para a área de enfermagem, não havendo necessidade da Impetrante, neste momento, voltar a laborar em unidades de saúde na condição de enfermeira, até que conclua a pesquisa.
Tece comentários quanto a) à legalidade do projeto administrativo e acadêmico; b) o compromisso com a pesquisa, à formação de recursos humanos no SUS e à responsabilidade ética; e c) à responsabilidade do gestor estadual (Secretaria de Estado da Saúde e Governo do Estado de Rondônia).
Transcreve trecho da LCE nº 68/92, em especial os art. 132 e 133, que dispõem sobre a possibilidade de concessão de licença para frequentar cursos de aperfeiçoamento e qualificação profissional aos servidores públicos civis do Estado de Rondônia.
Faz considerações sobre o estágio atual da pesquisa, ressaltando a necessidade de dedicação em tempo integral e o desinteresse da Secretaria de Estado da Saúde e do Governo de Rondônia, além dos gastos realizados com experimentos em laboratórios.
Destaca ter apresentado declarações das atividades de pesquisa, bem como ser o Governador autoridade legítima para figurar no polo passivo do presente mandamus, uma vez que é autoridade responsável pela suspensão da licença.
Alegando ter direito líquido e certo de permanecer licenciada a fim de dar continuidade à pesquisa de doutorado, bem como estarem presentes os requisitos necessários à concessão da liminar, postula seja revogado o ato de suspensão da licença remunerada.
É o relatório, decido.
Imprescindível ressaltar não ter a Impetrante ventilado qualquer ato coator passível de correção em sede de Mandado de Segurança, restringindo-se, pois, a alegação genérica de ter direito à licença remunerada para frequentar doutorado. Não aponta, pois, qual ato, abusivo ou ilegal, teria praticado a autoridade apontada como coatora, Governador do Estado.
A matéria submetida ao crivo do Judiciário, na via mandamental, reclama a apresentação de prova robusta e pré-constituída do direito líquido e certo vindicado, sendo imperiosa a apresentação de todo o acervo necessário à comprovação dos fatos imprescindíveis à compreensão da lide, pois certo, a mais não poder, que meras alegações da Impetrante não são capazes de contornar essa exigência, sobretudo por não se ter admissível a dilação probatória (STJ, RMS nº 30.322/MS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. em 06.12.2011, DJe 19.12.2011).
Na lição de Eduardo Sodré:
“Direito líquido e certo, segundo o posicionamento já consolidada, é aquele direito titularizado pelo impetrante, embasado em situação fática perfeitamente delineada e comprovada de plano por meio de prova pré-constituída. É, em síntese, a pré-constituição da prova dos fatos alçados à categoria de causa de pedir do writ, independentemente de sua complexidade fática ou jurídica, que permite a utilização da ação mandamental” (in Ações Constitucionais, 5ª ed., Editora JusPodivm: Bahia, 2011, p. 121).
In casu, não consta dos autos documentos que comprovem a incompatibilidade de laborar no período destinado à pesquisa, sequer que, efetivamente, tenha sido o ato suspensivo (fls. 163) praticado com ilegalidade ou abuso de poder, valendo destacar, por outro giro, que a concessão da licença (e prorrogação) constitui ato discricionário do Governador, pautado que deve estar, ainda, no interesse público.
Se limitou a Impetrante a ressaltar tão só a importância de sua pesquisa e os possíveis benefícios que estaria trazendo a terceiros, conforme o extenso relatório produzido. Afora estas alegações genéricas, nenhuma linha da inicial, repito, nenhuma, foi dedicada a atacar a suspensão da licença.
Caberia, a toda evidência, fazer prova indiscutível, completa e transparente, do aventado direito líquido e certo, eis que, em sede de ação mandamental não é possível trabalhar à base de presunção.
É que, em se tratando de mandado de segurança, é requisito da inicial a indicação correta da autoridade coatora e do ato coator ilegal ou abusivo levado a efeito pela autoridade, o que, convenha-se, se mostra vistosamente indispensável para se verificar a ocorrência de afronta a direito, nos termos do art. 1º da Lei 12.016, de 07 de agosto de 2009.
Nesse sentido, tem-se que o direcionamento equivocado quanto ao efetivo ato coator, ou a não indicação deste, como ocorreu no caso posto para exame, conduz, não se pode ter dúvida, à impossibilidade jurídica do pedido, já que inviabiliza que o julgador faça o confronto do ato apontado com a eventual ilegalidade ou abuso de poder, o que, resulta na ausência de condição da ação e consequente extinção do processo sem resolução do mérito.
Indisputável, pois, que a obrigatoriedade de indicação precisa do ato coator se faz indispensável pela essência do mandado de segurança, que exige manifesta ilegalidade ou abuso de poder, lembrando, pela pertinência, que vigora a favor da autoridade dita coatora a presunção de legalidade.
A identificação do ato, portanto, é fundamental para que se verifique a ilegalidade ou abusividade da conduta, sem o qual não é possível, sobre uma razão lógica, aferir a própria violação a direito líquido e certo.
Nesse sentido, tem-se que o ato coator constitui a própria razão de ser do mandamus, sem o qual não há falar em ilegalidade ou abusividade da autoridade.
Dessa forma, a não indicação precisa de ato coator, constitui óbice insuperável para análise da natureza coativa da conduta, configurando-se como verdadeira condição obrigatória para o conhecimento do writ.
A propósito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“… Não se admite a impetração de mandado de segurança sem indicação e comprovação precisa do ato coator, pois esse é o fato que exterioriza a ilegalidade ou o abuso de poder praticado pela autoridade apontada como coatora e que será levado em consideração nas razões de decidir. Precedentes”. (RMS nº 30.063-RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 08.02.2011, Dje 15.02.2011).
Em casos tais, não diverge o entendimento deste e. Tribunal de Justiça:
“Constitucional. Mandado de segurança. Saúde. Medicamento. Ausência de direito líquido e certo. Inexistindo nos autos ato coator a ser combatido, não há direito líquido e certo a ser tutelado, tendo em vista a ausência de negativa da autoridade impetrada na prestação do serviço necessário ao atendimento da demanda reclamada”. (Ag. Reg. nº 20000020090028937, rel. Des. Rowilson Teixeira, j. em 02.06.2009)
Idêntico caminho trilha o Tribunal de Goias:
“MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO PARA OS AGENTES PENITENCIÁRIOS PORTAREM ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DO SUPOSTO ATO COATOR. CARÊNCIA DE AÇÃO. O direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de ser contemplado em norma legal e ser induvidoso, devendo o impetrante, de imediato, demonstrar a existência do alegado ato ilegal e abusivo praticado pela autoridade dita coatora, o que não ocorreu no presente caso. Segurança denegada (ex-VI do art. 6º, §5º da Lei nº 12.016/2009)”. (MS nº 503870-87.2011.8.09.0000; Jussara; Rel. Des. Walter Carlos Lemes; DJGO 03.05.2012)
Não bastasse, denota-se dos autos ter sido o ato motivado em recomendação do Ministério Público, assim redigida:
“Considerando a absoluta falta de servidores para prestar atendimento satisfatório nas unidades estaduais de saúde;
Considerando que Vossa Senhoria esclareceu-nos na reunião realizada neste MP, na manhã de hoje, que, em razão da absoluta falta de pessoal, não está autorizando nenhuma cedência ou afastamento dos servidores da saúde;
Considerando que em absoluto descompasso com estas duas informações anteriores, foi veiculado pela imprensa a notícia de prorrogação da licença remunerada que fora concedida a servidora JOSEFA LOURDES RAMOS, ocupante do cargo de enfermeira, matrícula nº 300034750 para frequentar curso de aperfeiçoamento na Universidade de Brasília;
Considerando que referida servidora não possui merecimento, vez que está sendo processada por prática de improbidade administrativa por, descumprindo ordem judicial, ter depositado seis milhões de reais na conta bancária da empresa REFLEXO CONSERVAÇÃO E LIMPEZA LTDA., de propriedade do ex-presidente da Assembleia Valter Araújo.
Recomendamos a imediata suspensão desta licença remunerada, vez que absolutamente contrária aos interesses públicos [...]” - fls. 155/156.
Em face do exposto, indefiro, de plano, a inicial pela marcada ausência de condições essenciais à verificação de ofensa de direito líquido e certo, fazendo-o com fundamento no art. 10 da Lei nº 12.016/2009 c/c art. 267, I do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Após o trânsito, arquive-se.
Porto Velho, 21 de junho de 2012.
Des. Gilberto Barbosa
Relator