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Cheia, Dilma & migalhas

Segunda-feira, 24 Março de 2014 - 09:49 | Gessi Taborda


Não pretendia falar mais da cheia do Madeira. Não sou político e não preciso ficar alimentando um assunto com os olhos voltados para as eleições, na esperança de esconder imprevidência e incompetência de governo, imaginando que essa situação poderá até reduzir os índices de rejeição à pior gestão do estado. Afinal, como não vou disputar coisa alguma não preciso de votos.


DEPRIMENTE

DEPRIMENTE

Possivelmente eu seja um eleitor exigente. Não me agrada nada ver os principais políticos rondonienses dizendo “amém” à presidente. O que vimos foi uma nova cena deprimente, como um aviso de que não vale a pena votar de novo nessas figuras bizarras.
Dilma não veio ao nosso estado para defender interesses da população. Foi por isso que se fechou em copas diante de assuntos do mais relevante interesse do estado, como a dívida do Beron, a transposição dos servidores ou as obras paradas e superfaturadas dessa invenção marqueteira chamada de PAC. E mesmo assim, diante de toda essa pauta vazia, os políticos locais (salvo a honrosa exceção de José Hermínio) se comportaram como “macaquitos” que só sabem aplaudir.

SETOR ELÉTRICO

Então o que Dilma Roussef veio fazer em Rondônia, perguntará o leitor mais atento. Ela veio aqui em defesa de sua preciosa relação com o setor elétrico que embalou sua carreira política. Foi um sinal com o mesmo significado, porém mais eloquente, do praticado pelo deputado Moreira Mendes curtindo o carnaval carioca ao lado de figuraça das usinas, enquanto as pessoas estavam sendo desalojadas pela inundação do Madeira. Ou será que nossa gente e nossos políticos não sabem da grande ligação desse parlamentar com o setor elétrico, desde que se transformou num defensor intransigente da Guascor, quando num passado recente essa empresa sofreu sérias denúncias.
No caso da presidente Dilma, sua afirmação de que era “absurdo atribuir às duas hidrelétricas a quantidade de água que vem pelo rio”, foi a tradução de que as concessões no setor de infraestrutura são incondicionadas – e por isso muito rentáveis para os investidores. A presença da presidente foi para advogar a causa dos consórcios que detêm a concessão para aproveitamento energético do rio Madeira.

SEM ESCAMOTEAR

É preciso não escamotear: o problema nunca foi a água que vem pelo rio, mas a que ficou no meio do caminho por conta de dois reservatórios concebidos e operados sem estudos hidro-sedimentológicos suficientes e que abrangessem a bacia do rio Madeira.
Não dá para atribuir o dom de multiplicar o volume das águas do Madeira as barragens das hidrelétricas. Se isso fosse possível os reservatórios do centro-sul não estariam tão baixos, obrigando as operações das termoelétricas para evitar o racionamento.
As hidrelétricas do Madeira foram planejadas para fazer uso controlado da vazão hídrica, ou seja, da “água que desce”.

SURPRESA

Interessante as contradições aqui reveladas pela presidente: “vamos trabalhar para que não sejamos mais pegos de surpresa em situações como essa que aconteceu em Rondônia”. Na concepção de Dilma, quem foi pego de surpresa em primeiro lugar foram os dois consórcios, o IBAMA, a Agência Nacional de Águas e a Agência Nacional de Energia Elétrica, justamente aqueles que atestavam plena viabilidade do empreendimento e juravam deter todos os dados relevantes para o monitoramento do fluxo e do volume de água que “entra no Madeira”.

ENTENDIMENTO CORRETO

A responsabilidade primeira pela amenização dos danos provocados com a cheia deveria ser dos consórcios e dos órgãos licenciadores e de outorga.
A afirmação de que a cheia do Madeira surpreendeu os consórcios é uma confirmação escancarada da falta de planejamento nos projetos de implantação das barragens. E agora? Perguntarão os leitores mais observadores. Bem, agora planejamento e monitoramento precisam ser efetivados ao custo da suspensão da licença de operação, conforme o acertado entendimento do Ministério Público e da Justiça Federal, em primeira instância, que obriga os consórcios a assumirem a responsabilidade pelos danos a montante, além de refazerem os estudos de impacto em função da nova vazão máxima atingida.
O que deveria ter sido condição prévia (provar a capacidade do empreendimento de se adaptar à dinâmica do rio e da bacia) tornou-se uma interpelação judicial – que vem sendo soberbamente ignorada pelas empresas concessionárias.

LEI DO MAIS FORTE

A Santo Antônio Energia (SAE) e a Energia Sustentável do Brasil (ESBR) acreditam apenas na lei do lobo e no seu direito de devorar o cordeiro, de apossar-se do rio e de determinar unilateralmente seu uso. Acreditam também no direito de inviabilizar o modo de vida das comunidades ribeirinhas, de interromper o ciclo de reprodução e migração dos peixes e do agroextrativismo de várzea.
Elas – e bom não esquecer – conseguiram suas licenças ambientais à revelia dos embargos técnicos e dos conflitos sociais de 2007 até hoje. Elas fizeram de Porto Velho, a nossa querida e mal-amada capital do estado, um apêndice dos seus canteiros de obras e depois em um campo de testes da incidência da vazão a jusante, o que redundou no desbarrancamento de toda sua orla e na condenação de seu patrimônio histórico mais conhecido, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

REALIDADE

Nem a defesa proporcionada pela presidente Dilma na sua visita ao estado, nem a postura bovina dos políticos locais, especialmente a representação do estado em Brasília, do governador (coitada de Rondônia) Confúcio e também do (lamentável) prefeito Mauro Nazif permite que esconda a realidade, a triste verdade.
As usinas se mostraram ineptas para controlar ou sequer acompanhar a variabilidade da vazão hídrica e de sedimentos do rio Madeira. Primeiro super-armazenaram, depois passaram a liberar grandes “bolsões” d’água com efeitos fatais para comunidades ribeirinhas centenárias como São Carlos, Calama e Nazaré, que tiveram suas casas não apenas alagadas, mas arrancadas pela correnteza amplificada pela abertura não programada dos vertedouros das usinas.
As usinas são responsáveis não pela cheia do Madeira, com as quais os povos e comunidades da região sempre souberam lidar até a construção das usinas, mas pelos seus efeitos amplificados e direcionados justamente para os segmentos populacionais que já se encontravam mais fragilizados por conta dos impactos cumulativos de sua implantação.

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