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Mediocrizando Geral!
Sexta-feira, 31 Janeiro de 2014 - 10:10 | David Nogueira
Estava fazendo uma dessas viagens mais longas de carro, quando notei algo a me incomodar de forma persistente. Depois de algum tempo, identifiquei a fonte geradora do desconforto repetitivo: era o rádio ligado. Sou um fã desse veículo. Acho-o mágico desde o tempo em que criança, no subúrbio do Rio de Janeiro, ouvia radionovelas por aqueles aparelhinhos, nem tão pequenos assim, estrategicamente colocados nas salas de visitas. Era eu miudinho ainda, mas minha imaginação voava longe com as histórias empolgantes de atores e atrizes fantásticas. “Jerônimo, herói do Sertão” foi um clássico. “A Cabana do Pai Tomás” levava o povo às lágrimas. Muitas daquelas vozes migraram para a indústria da dublagem e, não raro, alguns dubladores eram bem melhores que os atores e atrizes originais. Será que mais alguém se lembra desse tempo?
2- Capilarização da Rádio
Segundo a Anatel (Agência Nacional de Tele Comunicações), existe no Brasil a impressionante quantidade de 3.988 rádios. Dessas, 1.707 trabalham em ondas médias, chamadas de AMs. Outras 2.281 transmitem em frequência modulada, chamadas de FMs. A ABRAÇO (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária) não tem um número certo do total de rádios comunitárias em funcionamento no país (legal e ilegalmente), mas afirma ser superior a doze mil. Não vamos entrar no mérito da forma de distribuição desses canais e nem da dificuldade em se avançar com uma legislação mais moderna e democrática sobre os meios de comunicação, pois o objetivo deste texto, além de ser outro, é mais modesto.
3- Todo mundo tem
Conforme levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), há cinquenta e dois milhões de casinhas tupiniquins com rádios em funcionamento. Isso representa 91,5% das residências, ou seja, um público- alvo estimado em 166,5 milhões de cidadãos. São Paulo, com 12,3 milhões de casas (95,1%), é o mais ligado, seguido por Minas Gerais, com 5,6 milhões (94,9%) e Paraná, com 3,2 milhões (94,4%) de domicílios. O fato relevante disso tudo é ser um poderoso veículo de comunicação, buscando, no martelar diário, influenciar, das mais variadas formas, a vida social, cultural, política e econômica do país em seus espaços de ação.
4- Bondinhos do Tigrão
De volta ao incômodo proveniente da rádio, identifiquei a causa: um repetir de músicas horríveis, chatas, pobres musicalmente, paupérrimas nas letras, entortadas nos arranjos, propagando insistentemente refrões vazios a se revezar nas rádios sem parar. Passei a notar o fato e a pular de emissora em emissora em busca de um pouco de harmonia para meus maltratados e sofridos tímpanos. Impressionante como pouco se valoriza a boa música brasileira e muito se promove certos modismos totalmente desprovidos de alguma coisa parecida com arte. O pior é ver esses “trecos” ocupando espaços significativos no mercado brasileiro. Fabrica-se o sucesso “one way”, totalmente descartável ou sequer reciclável. As músicas de sucesso deste verão, provavelmente, não serão lembradas no próximo.
5- Há coisas boas sendo feitas por aí
Ao andar pelo Nordeste há tempos atrás, por sorte, pude ouvir gente muito boa tocando e cantando coisas super interessantes. Gente simples fazendo arte, boa música, poesia do cotidiano e, desta forma, enriquecendo, de fato, a cultura nacional. Qual a lógica em se valorizar o medíocre em detrimento de tudo aquilo que existe da faixa mediana para cima? Em sua maioria, nossas rádios, com um papel cultural importantíssimo pela enorme capilaridade, deixam de fomentar a cultura, valorizar a criatividade e adubar a inteligência verde-amarela para se tornarem, em um grande número de vezes, multiplicadoras do medíocre... Nada é por acaso e nada é ingênuo, como tal, a reflexão sobre isso merece um pouco de nossa atenção antes da batida do próximo Funk, ou algo de qualidade similar!