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Enchentes do Madeira – Santo Antônio e Jirau – culpadas ou não?

Quarta-feira, 26 Fevereiro de 2014 - 18:19 | Kruger Darwich


Enchentes do Madeira – Santo Antônio e Jirau – culpadas ou não?

* por Kruger Darwich


Esses estudos foram feitos sob a responsabilidade de FURNAS e Norberto Odebrecht ainda nos anos de 2001, porém esses estudos que deveriam ser feitos em toda bacia hidrográfica do rio Madeira que compreende uma área de 1,4 milhões de km² foram feitos apenas em um trecho de 240 km ao longo do rio.

Esses estudos foram feitos sob a responsabilidade de FURNAS e Norberto Odebrecht ainda nos anos de 2001, porém esses estudos que deveriam ser feitos em toda bacia hidrográfica do rio Madeira que compreende uma área de 1,4 milhões de km² foram feitos apenas em um trecho de 240 km ao longo do rio.

Acrescenta-se a isso que o rio Madeira é um rio dinâmico em plena atividade de erosão e não possui dados históricos consolidados. Sua extensão em território brasileiro é de 1.700 km e sua vazão média é de 23.000 m³/s, sendo o principal afluente do rio Amazonas.

Destes estudos concluiu-se que poderiam ser construídas duas usinas, sendo uma a 136 km de Porto Velho, na cachoeira de Jirau e a outra nas cercanias de Porto Velho, na cachoeira de Santo Antônio ou ilha do presídio. A de Jirau com capacidade instalada de 3.300 MW e Santo Antônio com 3.150 MW, cada usina composta de 44 turbinas tipo bulbo.

Para obtenção da Licença de Instalação, necessário se faz a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) com seu respectivo Relatório de Impacto do Meio Ambiente (RIMA). Quando apresentado ao IBAMA esses estudos sofreram questionamentos de pelo menos trinta quesitos que não foram bem explicados, sendo um deles que diz: “A Abrangência dos estudos está equivocada: falta avaliar a hidrovia e a bacia hidrográfica. A área ALAGADA PODE SER O DOBRO DO ESTIMADA DEVIDO A INCONSISTÊNCIA DOS DADOS E INFORMAÇÕES”. (Revista OIDLES - Vol 3, Nº 7 (diciembre 2009)

Mesmo contrariando o parecer técnico oficial da equipe do IBAMA, seu presidente, à época, Roberto Messias Franco, assinou a Licença de Instalação burlando desta forma a legislação vigente. Isso é o que se chama da autolicenciamento.

O mais interessante é que nos estudos do EIA/RIMA foram apontados os valores do MWh (megawatt-hora) variando entre R$45,52 a R$51,00 e no leilão da UHE de Santo Antônio o preço ofertado foi de R$ 78,78 e na UHE de Jirau o valor foi de R$71,49. Um aumento significativo.
Como todos os estudos haviam sido feitos por FURNAS e Norberto Odebrecht, era de se esperar que o consórcio vencedor em Santo Antônio, seria também o vencedor em Jirau. Outro consórcio arrematou o leilão de Jirau com um preço 9,25% menor daquele ofertado para Santo Antônio.

A pergunta que se faz é a seguinte: por que 9,25% menor? Logo em seguida veio à resposta. O consórcio vencedor de Jirau informou aos órgãos de fiscalização que construiria a usina com 9,9 km de deslocamento de seu barramento, já não mais na Cachoeira de Jirau e sim na Cachoeira do Inferno com a justificativa da diminuição dos custos de construção e do tempo de execução da obra. Isso é uma grande ilegalidade, pois o leilão era para um determinado ponto de construção e não em outro. Mesmo assim conseguiu a Licença de Instalação.

Todos os estudos do EIA/RIMA haviam sido feitos para a Cachoeira de Jirau e não para a Cachoeira do Inferno. Desta forma iniciou-se uma construção às escuras, sem nenhum estudo específico exigido pela legislação vigente, ou seja, sem informações conclusivas dos impactos ambientais a montante e a jusante desta usina. Ou seja, um novo projeto sem dimensionar a nova área de inundação.

Observe que pelos estudos feitos no projeto original sabia-se que o distrito de Mutum-Paraná ficaria submerso e por isso construíram o distrito de Nova Mutum. Mudando o eixo da barragem sem nenhum estudo de impacto do meio ambiente como poderiam prever a nova área de inundação?

O aumento da cota solicitada pelo consórcio de Santo Antônio de 70,50m para 71,30m, em virtude do aumento do número de turbinas, sem apresentar nenhum estudo de impacto ao meio ambiente poderá contribuir ainda mais para o aumento das inundações?
A incompatibilidade entre os sistemas de Jirau e Santo Antônio para a mesma Linha de Transmissão que liga Porto Velho a Araraquara (Master Control) divulgada pela revista Valor Econômico ano passado, mostra a deficiência dos estudos apresentados.

Arriscaria a dizer que com a retirada dos anteparos naturais para a construção das usinas e com as escavações feitas para a instalação das turbinas houve um aumento na calha do curso natural do rio Madeira nesses pontos, entretanto fora desses pontos a calha permanece a mesma. Considerando que a velocidade do rio seja constante, com o aumento da área da secção transversal em decorrência das escavações é de se esperar que se aumente a vazão do rio. Neste diapasão, a vazão do rio Madeira medida no mês de fevereiro foi de 45.000m³/segundo. Observe que a vazão média do rio Madeira é de 23.000m³/segundo.

Apesar de alguns acreditarem na isenção da construção das UHEs do rio Madeira em relação às inundações não somente em Porto Velho, mas em toda a extensão da rodovia que liga Porto Velho a Rio Branco e a Guajará-Mirim, deve-se considerar que as duas usinas estão sendo construídas no mesmo rio e uma próxima da outra onde a jusante da UHE de Jirau fica a montante da UHE de Santo Antônio, ou seja, são duas barragens interligadas. Significa dizer que quando a barragem de Jirau está em seu nível máximo e tem que abrir as comportas para descarregar a água, esse volume de água contribui para o aumento do nível do reservatório de Santo Antônio, por conseguinte, como o reservatório de Santo Antônio pode estar em seu nível máximo não suporta o volume de água que vem de Jirau e é obrigado a abrir as comportas para descarregar o excesso de água. Aliado a isso, deve-se considerar sim o aumento dos indices pluviométricos e o degelo dos Andes, pois o rio Madeira está sob sua influência. Tudo isso contribui para as inundações nunca vistas há mais de cem anos.

Para finalizar, a pergunta que não quer calar é a seguinte: qual é o resultado disso tudo para Rondônia e em especial para Porto Velho? O ICMS fica no consumo da energia e não em sua geração; a energia transmitida em Corrente Contínua (CC) vai direto de Porto Velho para Araraquara (SP) passando pela BR 364 sem poder extraí-la, ou seja, fornecemos a energia, mas não ficamos com ela; o tão falado desenvolvimento com a construção das usinas foi uma grande balela, pois não vimos e não veremos desenvolvimento industrial por essas bandas; o que fazer com o grande número de trabalhadores que vieram para a construção no pós-usinas? Isso para ficar apenas em alguns questionamentos.

No mínimo o governo federal deveria transpor os trabalhadores para a União para compensar de alguma forma todo esse desequilíbrio que está acontecendo.

* O autor é engenheiro

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