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Desagravo Profissional
Sábado, 27 Julho de 2013 - 11:23 | Cândido Ocampo
O Código de Ética Médica, dentre suas normas diceológicas, dispõe ser direito dos membros da categoria, quando atingidos no exercício de sua atividade, requerer desagravo público ao Conselho Regional de Medicina.
O que numa análise açodada pode parecer um privilégio corporativista, em verdade trata-se de inquestionável garantia constitucional de preservação da dignidade pessoal e profissional. Uma conquista da cidadania.
O profissional liberal, independente da atividade que exerça, tem sua capacidade avaliada pelo prestígio que goza perante a coletividade. O reconhecimento social é um processo lento que exige longos anos de dedicação e esforço.
Para o médico, essa afirmação parece valer ainda mais, pois sendo agente de atividade essencial, seus erros e acertos atraem a atenção de todos.
O olhar da nossa sociedade é rigoroso com a falha humana (de alguns humanos). Foi necessária uma lei para tentar nos impedir de votar em corruptos e entregar mandatos a condenados por surrupiarem o dinheiro público.
Na grande mídia, não é raro a veiculação de matérias sensacionalistas envolvendo “erros médicos”. Antes de se apurar ou sequer instaurar a investigação, o profissional é condenado e moralmente executado.
Superdimensionado pelos novos e maravilhosos instrumentos de comunicação, o sentimento humano ganha eco num piscar de olhos. Basta acessar uma rede social, expressar sua revolta e, pronto: como num efeito manada, pessoas estão criticando e ofendendo sem saber o quê e porque.
No plano material, não há nada mais íntimo e necessário ao espírito que nosso corpo e nossa saúde. O médico no seu dia-a-dia manipula esses dois elementos que nos compõem. Como um sacerdote da nossa dimensão orgânica, seus atos são avaliados com acentuado rigor.
Difícil saber o quanto somos reféns de nossas emoções. Poucas vezes, no primeiro momento, agimos com a razão. Nesse novo mundo sem espaço e tempo para reflexões, o impulso instintivo, não raro, é o estopim de nossas ações.
O Estado moderno, política e socialmente considerado, sabendo dessas vicissitudes humanas, dotou algumas profissões de instrumentos jurídicos de proteção contra abusos e leviandades.
O Código de Ética Médica faculta o requerimento de desagravo público ao profissional atingido no exercício de sua atividade (Cap. II, VII). O Conselho Federal de Medicina regulamentou o procedimento através da Resolução 1.899/2009.
O desagravo público não é valhacouto de médico. Antes, tenta minimizar os efeitos nocivos das ofensas à dignidade da medicina.
No entanto, a observação tem nos mostrado que raras foram as vezes em que médicos recorreram a esse instrumento deontológico, mesmo sendo vilipendiados em sua honra profissional. Fato não incomum nos dias atuais, quando muitas denúncias nos CRMs, e até mesmo demandas judiciais, são motivadas por objetivos financeiros. Verdadeiras aventuras jurídicas.
Essa indiferença com seus órgãos de fiscalização não é exclusividade dos médicos. Várias outras classes profissionais se mostram desmotivadas a recorrerem aos seus respectivos conselhos, na tentativa de restabelecer sua dignidade atingida.
No caso dos médicos, o longo e burocrático procedimento que necessariamente tem que ser instaurado para se concluir sobre a pertinência ou não do pedido, combinado com a falta de tempo em razão da carga de trabalho excessiva, são fatores que contribuem para esse desinteresse.
Outras razões existem que não são detectadas em uma análise epidérmica, mas podem ser visualizadas quando se conhece e se acompanha de perto o dia-dia desses profissionais.
Em vários estados brasileiros, se observa uma lacuna entre os médicos e seus conselhos.
Como resultado da omissão da própria classe, dirigentes se perpetuam no poder, e, assim, passam inconscientemente a construir um abismo invisível de ilegitimidade entre eles e seus representados.
As angústias, ansiedades e expectativas dos profissionais deixam de ser as da entidade. O distanciamento é consequência lógica desse processo.
A ilegitimidade é um elemento considerável nessa equação. Fator que também contribui para a desmotivação referida.
É oportuno esclarecer que os conselhos de classes não foram instituídos para defender os seus membros. Como entidades criadas por leis, têm como função institucional fiscalizar e normatizar as profissões regulamentadas.
A defesa e a reivindicação de direitos de classe são atividades típicas de associações e sindicatos.
Porém, toda atividade dirigente, seja ela de cunho público ou particular, antes do amparo legal, necessita de reconhecimento para se legitimar.
Cândido Ocampo, advogado atuante no ramo do Direito Médico.
candidoofernandes@bol.com.br
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