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A classe trabalhadora está órfã no Parlamento Brasileiro

Terça-feira, 22 Fevereiro de 2011 - 20:48 | Tadeu Fernandes


A classe trabalhadora está órfã no Parlamento Brasileiro
Acompanhei pela TV Câmara a votação da proposta do novo salário mínimo encaminhado pelo Executivo Federal, fixando-o em R$ 545 (quinhentos e quarenta e cinco reais) o seu valor aos quase cinquenta milhões de brasileiros. Constatei um dos momentos que empobrece o parlamento nacional, pois o mesmo havia dado a si um aumento superior a 62% dos seus próprios vencimentos, além das múltiplas vantagens que acrescem seus ganhos e me veio a frase secular: “Ao rei tudo e aos súditos o que sobra das moedas.”



Dentro do Palácio do Parlamento, com seus extensos tapetes coloridos, reuniram-se senhores de gravatas e senhoras de belas indumentárias. Estavam ali para votar pela primeira vez na nova legislatura o destino e a sobrevivência dos seus patrícios, decidindo o quanto seria justo os valores a serem pagos pelo trabalho mensal de cada um. São os juízes de fato do povo que nas suas sabedorias julgam o que cada um deve receber pelo seu labor. Cidadãos eleitos pelo próprio povo para lhes representar, fazendo as leis e fiscalizando o Executivo.

Lembrei do passado não muito distante quando trabalhadores no ABC paulista, principalmente em São Bernardo do Campo, onde metalúrgicos que recebiam salários menores do que mereciam e dentro da humildade que traziam em si passaram anos se subordinando a oferta de ganho que não atendia as necessidades básicas para suas famílias. Não havia meios de proteção às suas dignidades, enquanto seres humanos que acordavam cedo para o labor e no fim de cada mês não conseguiam quitar seus débitos. A grande maioria que trabalhava na indústria e no comércio, com suas camisas surradas, resolveram se unir para reivindicar direitos e salários mais justos e dignos.

Assim, fortificou-se com altivez o movimento sindical em uma época em que reivindicar coletivamente e fazer greves era confrontar com o governo autoritário dominante. Sabendo do tamanho das dificuldades e o que iriam enfrentar, mesmo assim foram á luta e passaram por momentos de enorme tensão e agonia em que milhares de trabalhadores se engajaram sob o comando de alguns líderes que expuseram suas vidas, sonhando que alcançariam dias melhores e salários justos.

O Partido dos Trabalhadores nasceu do movimento sindical e tinha como objetivo transformações políticas e sociais, pela ética e justiça, além da inclusão dos menos favorecidos. No decorrer dos anos passou a ser como tantos outros. No poder deveria manter todos seus ideários programáticos, mas muitos enveredaram por caminhos não preconizados por seus fundadores. Ainda recordo da carta ao povo brasileiro de 2002 e que foi um dos principais fundamentos que resultou na vitória de Lula.

Desviando do seu rumo e propósito, vários companheiros de primeira linhagem foram ficando pelo caminho, chegando ao ponto de pregarem a refundação do PT, tão preconizada pelo então Min. da Justiça Tarso Genro e atual governador do Rio Grande do Sul.

Após o encontro do 31º aniversário do partido é hora de se fazer uma ampla reflexão sobre seus rumos e empunhar novas bandeiras. O próprio Jornal Estado de São Paulo publicou no último dia 17 de fevereiro que José Dirceu, respondendo ao então presidente Lula, com respeito ao programa do Bolsa Família, que seriam 12 milhões de bolsas que poderiam se converter em votos e em quantidade três ou quatro vezes maior, garantindo assim a sua reeleição.

Foi dentro deste movimento sindical que lutavam por igualdade e oportunidade, melhor distribuição de renda, diminuição da jornada de trabalho, ambiente de trabalho adequado e principalmente um salário que lhes desse condições de prover o mínimo de sobrevivência, tendo se destacado entre os sindicalistas o ex-presidente Lula, então líder sindical que com sua facilidade de comando falava e convencia a classe trabalhadora.

Alguns sofreram repressões, outros presos, mas a insistência e a busca de seus ideais por uma sociedade mais justa e humanitária estavam convencidos que todo sacrifício valia a pena e que um dia teriam seus direitos reconhecidos. As leis foram mudando, as praças eram os locais de suas batalhas, os campos de futebol, principalmente o de São Caetano, a Catedral da Sé, com dom Evaristo Arns deu retaguarda a estes movimentos.

As conquistas do trabalhismo e a unidade das centrais sindicais, como a CUT e o CGT, além da Força Sindical deram o exato equilíbrio entre o capital e o trabalho. Lula, líder destes movimentos, após ser derrotado três vezes como candidato a Presidente da República, finalmente conseguiu comandar o país por dois mandatos. Chegou ao Poder e teve o mérito de dar continuidade à política-econômica-financeira do governo anterior, promovendo o desenvolvimento do Brasil.

Estes movimentos sindicais, iniciados com simplicidade e perseverança de homens simples e pertencentes a uma classe de trabalhadores de baixa renda, com muita disposição e dignidade conseguiram, após trinta anos, assumir o comando do Brasil, com o expressivo apoio popular do Presidente Lula.

O PT aliado ao PMDB e outros partidos menores elegeram a Presidente Dilma. No poder os tempos mudaram, novas ideias e novas práticas surgiram, pois o Poder assanha e envaidece o homem. Agora não se reúnem mais nos botecos do ABC para trocar um dedo de prosa e tomar rabo de galo e fernet. Atualmente, estão nos bons restaurantes de Brasília papeando e regados a bons vinhos.

Tudo isso é aceitável e compreensível, afinal de contas o Brasil e o mundo mudou. O comando lhes pertence. O PT manda e comanda e os demais partidos da base lhes servem de sustentação e apoio aos seus planos ideológicos, recebendo em troca cargos e poder. O povo a tudo isso assiste e a fatura certamente chegará.

Não pretendo atirar pedras e desmerecer alguns méritos que lhes devem ser atribuídos, pois o Brasil, apesar do contexto difícil que passa alguns países, tem seu ritmo sem tropeços de maior calado. A população em geral continua otimista e confiante, apesar da inflação está rondando com seus tentáculos, além dos juros excessivos e o déficit público aumentando. Somente com a diminuição dos gastos e despesas públicas desnecessárias e o controle fiscal enfrentaremos com rigor a corrupção e assim, estaremos melhor seguros para um futuro promissor.

Os homens que no passado freneticamente buscaram e conseguiram ter um salário mais justo, muitos deles eu os vi presentes votando o novo salário mínimo para 2011. O relator era o Dep. Vicentinho da CUT, aquele homem franzino e simples do passado, todo acanhado e de fala pausada, quase inaudível, defendendo aquilo que ele mesmo não estava convencido. Vaiado pelos trabalhadores que estavam nas galerias, com a cabeça baixa leu o seu relatório e corroborou com o valor do novo salário do governo, fixando-o em R$ 545,00.

Infelizmente, a bem da verdade, o Brasil não tem partidos políticos verdadeiros e quase todos se desvirtuaram de suas origens. É pena que o PT que começou bem, tanto no desenvolvimento econômico e da inclusão social, perdeu-se no caminho, transformando-se numa legenda partidária como tantas outras, esquecendo-se de suas origens, deixando de ser comandado por homens simples e idealistas, distanciando-se assim de suas bases.

Fiquei triste e atônito com o sindicalista Vicentinho que enfrentou dilúvios e tempestades no passado defendendo a classe trabalhadora e melhores salários. Não era mais o aguerrido Vicentinho que nasceu das lutas e das batalhas. Baixou a guarda, seguramente, para agradar novos companheiros. Triste momento para um homem de bem que naquele momento se entristeceu e desceu os degraus do parlatório menos engrandecido, contrariando toda sua história aguerrida. Naquele momento passou um filme em sua memória, lembranças das reuniões em banquinhos de madeira regulando o seu megafone para incentivar sua categoria a ir à luta.

Não deveriam exigir que ele fosse relator para defender uma causa que não faz parte do seu DNA. Deram uma ferramenta para construir uma vitória que o nobre Vicentinho, nem nos piores sonhos, imaginou estar na linha de frente.

O ganho justo pelo trabalho é um sonho que remonta dos idos tempos. No Brasil a inspiração veio no governo de Getúlio Vargas, em 1936, que procurou dar como pagamento o mínimo para suprir as necessidades básicas, alimentação, moradia, educação, saúde, lazer, higiene, transporte e previdência do povo, o que também é previsto na atual Carta Magna.

Deveria haver maior boa vontade do governo federal em dar um salário maior, cortando despesas supérfluas, diminuindo os gastos com passagens e estadias de funcionários públicos, diminuindo os cargos em comissão, simplificação fiscal, arrochar com mãos de ferro a corrupção, etc.

Alguns estados brasileiros já tem o salário mínimo fixado em R$ 600,00. Um gesto de distribuir rendas e diminuir a desigualdade social seria o governo federal estabelecer em R$ 600,00 o novo salário mínimo, mesmo porque quase 40% daquele valor retornaria para o próprio governo que impõe uma das maiores cargas tributárias do planeta. Tudo isso sem contar que não concedeu nenhum aumento aos aposentados e pensionistas que vem há anos sofrendo com a diminuição e achatamento de seus vencimentos.

O PMDB votou maciçamente contra o aumento. Os partidos trabalhistas (PT, PTB e PDT) tiveram alguns dissidentes, mas todos foram advertidos de possíveis consequências, caso desatendessem as ordens do planalto. Foi uma votação expressiva que comprovou a unidade de poder do atual governo.

Este, certamente será o parlamento que atenderá o que for do interesse do executivo e os debates e votações nas duas casas de leis serão enfrentamentos meramente acadêmicos em razão do governo, com a sua maioria esmagadora aprovar o que for do seu interesse.
A Sessão da Câmara dos Deputados Federais, na noite do dia 16 de fevereiro de 2011, marcou um dia na história em que o silêncio das centrais sindicais e de seus representantes pertencentes aos partidos trabalhistas votaram contra o aumento real do salário mínimo, e não contestaram a inexistência de aumento dos salários dos pensionistas e aposentados, muito menos pelo fator de redução.

A heresia maior do Congresso é autorizar que o governo federal fixe anualmente e por conta própria o salário mínimo por decreto, utilizando como cálculo a inflação anual acrescida do índice do PIB (Produto Interno Bruto), renunciando sua prerrogativa exclusiva de fazê-lo.
A indagação pertinente é se não houver, ou se o PIB for igual ou menor do que a de dois anos anteriores, obviamente a classe trabalhadora sofrerá diminuição real dos seus vencimentos. Sem sombra de dúvidas, trata-se de renúncia do Poder Legislativo, submissão ao outro poder e credenciamento nitidamente inconstitucional.

O Poder Legislativo não deve renunciar competência que lhe é própria. Se não bastassem as medidas provisórias agora transfere ao Poder Executivo credenciamento de fixar o salário mínimo anual por decreto.
Devemos, a bem da verdade, registrar que o único parlamentar do Estado de Rondônia que votou a favor do aumento do salário mínimo foi o deputado Rubens Moreira Mendes. Apesar dos nossos representantes estarem umbilicalmente ligados com o Governo Federal, continuamos sendo tratados como um estado periférico e merecedor de pouca atenção dos órgãos federais.

Assim é com a transposição dos funcionários públicos do antigo Território, com a transferência das terras da União para o estado, a construção da ponte sobre Rio Madeira para o acesso à Rio Branco, a estrada para Manaus/AM, a paralisação das obras do PAC, as eclusas do Madeira que não estão sendo construídas, incentivo à plantação de café, cacau, seringueiras, algodão e o cumprimento da decisão do Congresso Nacional na questão da dívida do Beron, que passou a ser de responsabilidade da União e até hoje não cumprida, apesar de ser retirado mensalmente milhões de reais do estado de Rondônia, através do desconto no fundo de participação.

Somos parceiros votando contra o aumento real dos salários da classe trabalhadora, mas não somos quando se trata de conceder benefícios para a nossa população. É chegado o momento de fazer valer a nossa autonomia administrativa como unidade federativa.

O Governo Federal pode muito, mas não pode tudo. Que os nossos deputados e senadores sejam portadores de nossos anseios e não sejam signatários somente dos interesses da União, tendo em mente que aqui, nas suas bases, estamos atentos e vigilantes, acompanhando de perto os que trabalham em beneficio dos interesses do Estado.

O autor é Advogado – OAB/RO 79-A Rondoniagora.com

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