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Bandeirantes e Pioneiros – Barreado e Tapioca

Sábado, 15 Janeiro de 2011 - 12:03 | Tadeu Fernandes


Bandeirantes e Pioneiros – Barreado e Tapioca

Os Estados do Paraná e Rondônia tem muita coisa em comum, por isto são considerados irmãos pela singularidade em  suas formações territoriais e estreita identidade na relação entre si.



Nos fins dos anos de 70, estava na companhia dos deputados estaduais Wilson Fortes e  Maurício Fruet, este último foi prefeito de Curitiba, do senador Hamilton Vilela Magalhães, do Deputado Federal Flávio Giovini, Benedito  Pinto Dias,  Prefeito de Paranavaí. Estávamos reunidos na sala do Governador do Paraná Jaime Canet Junior, que depois de expor seu plano de governo nos convidou para o almoço, cujo cardápio era barreado, comida típica do Paraná. Canet fez, certamente, uma das mais profícuas e dinâmicas administrações, fazendo com que aquele Estado desse seu grande salto de progresso. Pouco tempo  atrás, no casamento de seu neto em Curitiba conversamos e lembramos histórias do passado.

A colonização do norte do Paraná teve início nos idos de 1945, através da Companhia de Melhoramentos Norte do Paraná. Era uma empresa de capital britânico a qual foi concedida pelo governo brasileiro o direito de parcelamento e venda de terras que ia de Jacarezinho até Umuarama. Em troca esta companhia deveria prolongar a estrada de ferro ao longo desta área. Tinha como  projeto de colonização a abertura das matas, a construção de estradas nos espigões e os fundos dos lotes quase sempre divisavam com os rios e riachos. Assim, gaúchos, catarinenses, paulistas e nordestinos chegavam aos milhares, daí nascendo Londrina, Maringá, Apucarana, Paranavaí, Campo Mourão, Umuarama e centenas de outras cidades.

Em menos de dez anos foram derrubadas no machado quase todas as matas, dizimadas a flora e a fauna, restando somente 2% das matas. Milhares de árvores, entre elas a peroba e várias outras espécies, foram arrancadas, nascendo as plantações de pés de café. Era o eldorado do ouro verde. Em Londrina, capital do café, o cinema se chamava “Ouro Verde”, surgindo assim os reis do café: os Garcias; os Fugantis; Lucilio de Held; Remo Massi; os Vitorellis; os Martinez; os Junqueiras; Horácio Coimbra, fundador da Cia. Cacique de Café Solúvel; Enio Pepino, fundador da Sinop - Sociedade Norte do Paraná, que  tinha sua sede em Maringá; os Lunardelli, em Porecatu; os Meneghel, em Bandeirantes; Paulo Pimentel; Canet Junior, que tinha a empresa de compra de café Blay-Canet.

O café foi que alavancou a crescimento do norte do Paraná, tendo como principais centros regionais no sudeste do Estado, Cascavel e Pato branco. O sudeste, em sua maior parte, foi colonizado por gaúchos e catarinenses que desenvolveram o plantio de soja e as granjas de aves e porcos, além do agronegócio de  grande porte.
Basta lembrar que minha família residia em Tubarão, Santa Catarina, e meu Pai, dentista, era proprietário de uma empresa de ônibus circular chamada São José. Foi o fundador em 1947 da empresa de transporte de passageiros “Santo Anjo da Guarda”, que ligava as Termas da Guarda até Porto Alegre. Com a febre do plantio do café vendeu todo o seu patrimônio e, assim, com a esposa e os sete filhos, mudou para o novo eldorado, mais precisamente Alto Paraná, no norte do Paraná, colonizado pela CODAL, que era de propriedade de  Lucílio de Held e  Adelino Boralli. Boralli, mais tarde, adquiriu o Hotel Quitandinha em Petrópolis. Demoramos oito dias para chegar ao destino, trajeto que hoje se faz em 10 horas de viagem. Meu pai adquiriu propriedades rurais e plantou café, atuou como comprador em máquina de café, terminando como proprietário de comércio de artigos de eletrodomésticos. Eu trabalhei para a Maracaju, de Londrina, que pertencia à Cia. Cacique de Café Solúvel de propriedade de  Horácio Sabino Coimbra. Fiz um curso de provador em Santos e compramos milhares de sacas de café, tanto em coco, como beneficiado.

Com as geadas negras de 1955 e depois em 1975 houve um desânimo total, pois quase todas as lavouras cafeeiras foram destruídas. Assim, grande parte das famílias que possuíam pequenas propriedades resolveu vender suas terras e comprar áreas maiores em Mato Grosso e principalmente em Rondônia. Desta forma é que se iniciou o êxodo de levas de paranaenses para as novas terras no norte do Brasil, deixando para trás todo um passado, familiares e amigos. Enfrentaram estradas praticamente intransitáveis, clima  escaldante, nenhuma infraestrura, doenças tropicais, animais selvagens. O Governo Federal incentivava com propaganda maciça a ocupação das novas fronteiras com o slogan “Ocupar para  não entregar.” Era muito  facilitada a aquisição de terras,  financiamentos bancários do Banco da Amazônia, por meio do projeto SUDAM, com recursos do Banco Mundial e o adquirente tinha que desmatar no mínimo 50%, caso contrário, estaria inadimplente e perderia suas terras.

Minha mudança demorou 35 dias para chegar a Porto Velho. O motorista, desanimado de tanto sofrimento, preferiu retornar via Belém, através dos rios Madeira e Amazonas. Aqui aprendemos novos costumes, a farinha de mandioca mais grossa e a misturada com coco, pato no tucupi, a tapioca, mungunzá, caldeirada de peixe, caruru, o tacacá, a graviola, o cupuaçu, açaí, pupunha, os peixes dos rios, o baião de dois.

As  famílias vindas do Paraná se embrenhavam nas linhas traçadas pelo INCRA na mata. A família Cassol, vinda de Santa Catarina, ficou por algum tempo em Vilhena até adquirirem do INCRA terras próximas a Rolim de Moura. A maioria com poucos recursos, mas muita disposição para o trabalho foi construindo suas vidas e seu futuro. A linha de ônibus em Rondônia era feita pela empresa União Cascavel, pertencente ao Assis Gurgacz, sendo que os veículos mais pareciam urutus, muito usados no Iraque, pois eram bastante altos e carroceria super reforçada.

Conheci o atual Senador Valdir Raupp em Rolim de Moura, quando na companhia dos doutores Renato Mimessi e Dimas da Fonseca, na condição de Juízes do TRE, fomos instalar a Justiça Eleitoral em Santa Luzia. Na época, Raupp era Prefeito de Rolim de Moura e estava nos esperando na pista do aeroporto.

Quando aqui cheguei, trouxe comigo várias cartas de recomendação ao Teixeirão, a principal do próprio Governador do Paraná, Ney Braga. Após longa conversa ele me pediu que conversasse com o Dr. Fouad Darwich, de quem recebi convite para ser Procurador do Estado, mas minha intenção real era de advogar, o que faço até hoje.

É bom e necessário conhecer estes fatos do passado para entender a bravura e a determinação desses destemidos pioneiros que iniciaram, com muito sacrifício, a construção deste Estado.

As dificuldades eram muitas, poucos retornaram aos seus Estados de origem. A maioria insistiu e é de vitoriosos. Hoje, Rondônia conta com um contingente de paranaenses já na terceira geração. Regiões que eram somente de matas, hoje são cidades que cresceram e tem qualidade de vida que nada deve aos grandes centros. Somos um Estado pujante e forte, com faculdades bem estruturadas, a agropecuária se expande a cada dia,  uma bacia leiteira expressiva. Somos um dos principais produtores de grãos do País, surge a agroindústria e estamos usufruindo de uma nova fase com excelentes expectativas de crescimento. Vemos cidades como Ariquemes, Ouro Preto, Jaru, Ji Paraná, Cacoal, Vilhena, Rolim de moura, Pimenta Bueno e dezenas de outras com sua gente preparada para dar o grande salto que nós rondonienses esperamos.

Rondônia está pronta para o seu próspero futuro. O interior do Estado cresce a níveis asiáticos, terras férteis e forte infraestrutura bem planejada é implantada. Necessitamos que os governantes organizem e planejem o Estado, criem condições para que todas as expectativas promissoras se tornem realidade. Com a implantação de uma bem organizada malha rodoviária facilitando o escoamento da produção e o melhor trânsito. Com hospitais regionais de qualidade, Banco de fomento, melhora da área de segurança pública e ensino de melhor qualidade.

A história de Rondônia, com a lembrança dos pioneiros e bandeirantes, deve ser registrada para que tenhamos melhor conhecimento das nossas raízes e como tudo começou, pois se trata da epopéia de homens e mulheres destemidos e valentes, de famílias  que se embrenharam nas matas com suas traias nas costas e construíram choupanas sem energia elétrica, comendo o que produziam.

Mesmo assim não desanimaram e foram à luta. Graças a eles é que vivemos orgulhosos em nosso Estado. Somos um dos principais produtores do Brasil de café Robusta (Conilon), originário da África, de acidez mais baixa e muito utilizado em café solúvel. Nas regiões sul e sudeste é plantado o café Arábica (Bourbon e Catuaí) de melhor qualidade e preço diferenciado, com origem no Oriente. É aconselhada sua produção em altitude acima de 850 metros, resultando numa melhor consistência e sabor floral, sendo comum receber uma pequena mistura do café Conilon, que é plantado principalmente no Espírito Santo e Rondônia, por isso é que temos tantos capixabas no Estado.

Lembro do Cuca Nicoletti, que residia em Alto Paraná e no ano de  1974 com seus caminhões transportou uma serraria completa, inclusive locomóvel a vapor, para o Município de Jaru, onde no meio da selva implantou uma das primeiras serrarias. Lá estão seus filhos e o sobrinho Osvaldo Nicoletti que havia sido prefeito em Alto Piquiri, no Paraná. Osvaldo é proprietário de serraria, cerâmica, comércio de materiais de construção, mas teve a coragem e iniciativa do verdadeiro pioneiro e  empreendedor. Os Ragnini, que conheci  no Paraná, o Albino, o Setembrino e o Orlandino, na época, compradores de café em Tamboara. Tinham parceria com os irmãos Dal-Prá de Paranavaí, e quase todos da família residem em Cacoal.

Todos nós que chegamos para iniciar uma nova e longa jornada de trabalho, apesar das dificuldades e das agruras de uma região ainda inóspita, nos sentimos orgulhosos por termos dado nossas parcelas de contribuição para o surgimento de um Estado de belezas naturais ímpares, de solo  fértil, reservas de  minas de estanho e diamantes, ouro e outros produtos minerais.

O Rio Madeira é a nossa principal riqueza. Oferece-nos o transporte, os peixes, a energia elétrica que abastecerá o Brasil. Vamos continuar saboreando a tapioca e a nossa farta culinária, usufruindo dos nossos rios e nossas belezas naturais. Temos tudo para nos orgulharmos de nosso Estado. Não há intempéries climáticas de maior porte, não há geada, o clima é perfeitamente previsível, temos implantados meios para seguirmos trilhando nosso destino de progresso.

Nossos representantes políticos são, em sua maioria, do interior e os eleitos são a identidade do seu povo. Novas gerações certamente abraçarão novas causas e serão responsáveis pela implantação de novas ideias e práticas políticas mais inovadoras, valorizando o erário público e priorizando investimentos em benefício da população.
A Capital tem meios para prosperar. Aqui está o porto, no rio Madeira, que leva aos grandes centros do Brasil e ao exterior todas as riquezas produzidas, grande parte nos Estados do Mato Grosso, do Amazonas, do Acre, dos países como a Bolívia e o Peru. Aqui é o entroncamento para a saída ao pacífico. Estamos situados num ponto geográfico na América do Sul que é estratégico, com ligação tanto para o Oceano Atlântico como para o Pacífico, países andinos, costa oeste dos Estados Unidos e grande parte da Ásia.

A mistura do barreado e da tapioca deu certo. Regiões e culturas diferentes forjaram um povo que veio para implantar uma fronteira de prosperidade. Que as futuras gerações não se esqueçam que aqui reina um povo de passado destemido, de muita garra e que seus ancestrais vindos de terras distantes lutaram e se esforçaram muito para que seus descendentes possam usufruir melhor do bem estar e um futuro promissor, e isto já esta acontecendo, pois o progresso e uma melhor qualidade de vida é uma realidade presente.

Com a nova geração de empreendedores e com o Estado preparado para seu grande destino, só nos resta recompensar os primeiros habitantes com uma comemoração festiva, com bons pratos de barreado e  tapioca, e ainda, regado a uma boa taça de vinho, de preferência com uvas de santa felicidade.

O autor é Advogado

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