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Consentimento anestesiológico
Terça-feira, 20 Setembro de 2011 - 16:35 | Cândido Ocampo
Não é de hoje que o mundo científico e os tribunais conferem ao ato anestésico soberania técnica e autonomia jurídica. É o anestesiologista que deve decidir a conveniência ou não da sedação e qual a técnica a ser utilizada, de acordo com as condições estruturais do ambiente e clínicas do paciente. Tal decisão, que nos procedimentos eletivos deve ser tomada na consulta (ou avaliação) pré-anestésica, é intransferível e não deve sofrer interferência de profissionais de outras especialidades. Como toda conquista traz consigo responsabilidades, a individualização do ato anestésico impôs ao especialista o ônus de responder solitariamente pela sua conduta, sem a solidariedade antes dividida com o cirurgião, interpretação ultrapassada e vencida pelas conquistas técnico-científicas acima consideradas.
Ainda por corolário da soberania da conduta anestésica o paciente, como protagonista de seu destino, também tem o direito inalienável de ser informado dos riscos e possíveis benefícios do procedimento, assim como de qualquer outro ato médico. Não por acaso a Resolução 1.802/2006, do Conselho Federal de Medicina, em seu anexo I, que trata da documentação mínima exigida para os referidos procedimentos, incluiu como item obrigatório da ficha de avaliação pré-anestésica a obtenção do termo de “consentimento informado específico para a anestesia”. Dispositivo “recepcionado” pelo artigo 22 do novel Código de Ética Médica. Evidente que tal exigência não cabe em casos emergenciais.
No entanto, o que se observa nas rotinas nosocomiais é o contumaz descumprimento da imposição deontológica, pois raríssimas são as vezes em que os anestesiologistas preocupam-se em obter o referido documento. Não parece ser esta a melhor conduta, mormente se considerarmos o olhar rigoroso com que os tribunais brasileiros avaliam o ato anestésico. Muitos entendem tratar-se de obrigação de resultado, cabendo ao especialista anestesiar o paciente e recuperá-lo dentro de suas condições normais, devolvendo-lhe por completo todos os sentidos.
Nessa ótica, caso ocorra alguma reação prejudicial ao paciente, o médico responde independentemente de culpa. Já externei nesse espaço contrariedade a esse entendimento, juntando-me aos que defendem tratar-se de obrigação de meio, caso em que o médico só é responsabilizado se provado que agiu culposamente, seja por imperícia, imprudência ou negligência.
Aquele posicionamento não leva em consideração que a natureza humana reserva segredos que ainda se conservam fora do alcance da Medicina. Não se justifica impor ao anestesiologista responsabilidade maior ou menor que os médicos em geral. Por outro norte, o ato anestésico não se resume apenas em “fazer dormir” e, após, “fazer acordar”, como alguns incautos querem considerar. Trata-se de ato complexo e com alto grau de risco. Álea imposta pelo próprio organismo humano que muitas das vezes não responde como esperado. Dizer que exames alérgicos pré-anestésicos retiram os riscos do procedimento é desconhecer a realidade científica. A literatura médica nos ensina que pacientes submetidos a testes dérmicos que restaram negativos para se saber a quais drogas teriam sensibilidade, tiveram reação alérgica durante a sedação, tendo em vista que referidos testes são de baixa sensibilidade e especificidade.
Por outro lado, corre-se o risco de choque anafilático no próprio teste, pois a reação alérgica é qualitativa e não quantitativa, ou seja, depende da droga que se injeta e não de sua quantidade. A celeuma acima é mais uma razão para os anestesiologistas adotarem todas as medidas acauteladoras. E o termo de consentimento esclarecido do paciente, que deve ser simples e objetivo, de forma a ser compreendido pelo homem comum, surge imprescindível como escudo profissional.
Cândido Ocampo, advogado atuante no ramo do Direito Médico.
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