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Debates ao vivo expõem “falácia ad hominem” e submundo das campanhas eleitorais
Quinta-feira, 01 Setembro de 2022 - 09:03 | Adércio Dias Sobrinho
A cada eleição, realizada sempre em anos pares, seja em âmbito municipal para a escolha de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, seja em âmbitos estadual e nacional para a composição das Assembleias Legislativas, do Congresso Nacional e para a escolha de governadores, vice-governadores, presidente e vice-presidente da República, se notam pequenas mudanças na forma utilizada pelos candidatos para convencer o eleitor. Um modelo, no entanto, está sempre na pauta das campanhas e parece ser o preferido de quem tem o poder decisivo nas coordenações: os ataques, a desqualificação e a destruição da reputação do adversário.
Mulher notável, apoiadora da criação da Organização das Nações Unidas (ONU) onde ocupou uma cadeira como embaixadora dos Estados e presidiu a comissão que elaborou e aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Eleanor Roosevelt, esposa do ex-presidente estadunidense Franklin Delano Roosevelt, cunhou a célebre frase: “Grandes mentes discutem ideias, mentes medíocres discutem eventos, mentes pequenas falam sobre os outros”.
O início oficial das campanhas eleitorais, neste ano autorizado desde o dia 16 de agosto, marcou a apresentação dos candidatos e a largada na busca desesperada por eleitores que no dia 02 de outubro confiem um mandato a quem melhor os convencer. As estratégias, no entanto, ficam mais expostas pela exibição dos programas eleitorais na televisão, que pelo calendário eleitoral deste ano iniciou no dia 26 de agosto. Nessa corrida a sociedade se depara com uma espécie de “vale tudo”, em detrimento das regras estabelecidas pela legislação eleitoral para as campanhas, e ao arrepio da Constituição Federal e da legislação civil e penal, estabelecidas para regular as relações sociais com regras de convivência.
Um período com espaço e condições que seriam apenas para a disputa de ideias, divulgação e confrontação de propostas, e, principalmente, o exercício do poder de convencimento, torna-se campo fértil para a desqualificação do outro e a destruição de reputações, tendência conhecida como “falácia ad hominem”, em que se busca atacar o interlocutor, em vez de refutar suas ideias, atitude adotada por quem procura desqualificar os argumentos do outro por meio de ataques pessoais destinados a minar sua autoridade ou confiabilidade.
Tal prática fica mais exposta nos debates ao vivo, em que os candidatos são confrontados diretamente uns pelos outros. Sem tempo suficiente para a elaboração e exposição de uma ideia ou proposta com todo o seu embasamento técnico, o que certamente existe nas campanhas, a saída tem sido desqualificar o outro com palavras e jargões de fácil e imediata absorção pelos telespectadores.
A “falácia ad hominem” como meio mais fácil e caminho mais curto na busca pelo convencimento medíocre é praticada quando se recorre a insultos pessoais, humilhação pública ou até mesmo a exposição de erros que a outra pessoa cometeu no passado. Não é raro que sejam atacadas características pessoais do interlocutor que, aparentemente, estão em contradição com a posição que defende, recorrendo-se, ainda, à mentira ou ao exagero de supostos defeitos do outro, sempre com o intuito de desvalorizar suas ideias, desacreditar quem defende uma ideia, redirecionar o foco da atenção para um aspecto pouco ou nada relevante.
Não há estudo científico capaz de comprovar se a “falácia ad hominem” rende votos em favor de quem a pratica. Há quem gosta e até se diverte com essa prática sem se dar conta de que na verdade não se trata de superioridade, e sim de inferioridade do ofensor dada a falta de conteúdo ou de argumentos.
Se por um lado a prática da “falácia ad hominem” em campanha eleitoral é vedada por lei com certas punições, por outro, tal vedação se mostra ineficaz em alguns formatos. As ofensas e ataques verbais presenciados nos debates ao vivo ou mesmo em comícios dificilmente são puníveis, salvo raríssimas exceções, de alguns casos que são levados à justiça.
O artigo 243 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965) traz o rol do que não é tolerado em propaganda eleitoral, mas não cita vedações na utilização de outras ferramentas da campanha, como os debates. O parágrafo 1º desse mesmo artigo autorizam o ajuizamento de ações de reparação de danos morais por calúnia, difamação ou injúria, devendo responder as ações o ofensor e, solidariamente, o partido político, quem for favorecido pelo crime e quem contribuiu para o ato criminoso. Já o parágrafo 3º assegura o direito de resposta a quem for injuriado, difamado ou caluniado através da imprensa, rádio, televisão ou alto-falante.
No entanto, as ofensas perpetradas durante as campanhas eleitorais, quando não são resolvidas durante o próprio período eleitoral, parecem ser perdoadas ao final da disputa. Caso contrário, os tribunais estariam abarrotados de ações de indenização por danos morais. E na maioria das situações, os contendentes retomam a amizade e o convívio social existentes antes da contenda.
No período eleitoral ou na vida cotidiana é possível e recomendado se evitar a prática da “falácia ad hominem” adotando-se algumas medidas. Quando formos tentados a atacar pessoalmente nosso interlocutor é importante que paremos por um segundo para pensar acerca de que emoção está nos levando a tal atitude. Muito provavelmente o ofensor é movido por raiva ou frustração.
Em vez de atacar, devemos pensar que um debate construtivo não é aquele em que vencedores e perdedores são declarados, mas aquele que tem como resultado o crescimento. Logo, a primeira coisa a fazer é conter o impulso de atacar, de revidar ou levar o conflito para o nível pessoal, mantendo a mente aberta e permanecendo alerta para qualquer ataque pessoal, pois por trás disse pode existir uma opinião destruidora ou uma ideia sórdida difícil de ser desmontada.
* Adércio Dias Sobrinho é advogado atuante no Direito Eleitoral, graduado em Direito pela FARO em 2006, especialista em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral com pós-graduação em 2008 pela Escola Judiciária Eleitoral em convênio com a FARO, participante do curso de atualização permanente em Direito Eleitoral pela Casa do Direito.