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Extrema de Rondônia – O Caçula Gigante

Quarta-feira, 13 Janeiro de 2010 - 14:52 | Tadeu Fernandes


Extrema de Rondônia – O Caçula Gigante

Acabo de ler o livro de Geografia de Rondônia do escritor Ovídio Amélio de Oliveira, bom trabalho que aponta aspectos interessantes e bem relatados da história da formação dos municípios de Rondônia, assim como outros de bons escritores que procuram enfocar a criação e formação desta unidade caçula da nossa Federação.



Em todos os compêndios e escritos que falam sobre os importantes acontecimentos há um silêncio total acerca da retomada da Ponta do Abunã que foi invadida pelo Acre. Esta ausência de informações se dá tanto no que se refere aos bons escritores quanto aos organismos culturais do Estado. Nada consta e nada se relata sobre a Ponta do Abunã, especialmente a heróica retomada daquela região que em 1984 foi invadida pelo Estado do Acre, cujo Governo lá instalou, sem qualquer respaldo legal, todo seu aparato administrativo e passou a considerá-la como seu território. Tanto é verdade que a rede de energia elétrica era acreana, assim como escolas públicas e posto de saúde, a administração com seu representante e o alistamento eleitoral também passou à jurisdição do Acre, sem falar do seu posto de arrecadação que, naquela oportunidade, se constituía a segunda maior fonte de arrecadação tributária, inferior apenas a Rio Branco.

Há que se reconhecer que a ausência dos governantes de Rondônia se deu por quase cinco anos. Estávamos perdendo praticamente quinhentos mil hectares de nosso território. Em plenas terras rondonienses estava sendo erguida a bandeira do Estado do Acre e seus habitantes passando a se considerar acreanos.

Escrevi um livro denominado Ponta do Abunã o Braço Ocidental de Rondônia, obra com a qual procurei tornar públicas imagens e minhas anotações como representante do Estado de Rondônia nas ações administrativas e na retomada da região, missão que recebi do então Governador Jerônimo Santana.  O Decreto, único que se tem conhecimento no Estado de Rondônia, com classificação sigilosa no nível “Secreto” teve publicação apenas o seu número. Somente depois de desencadeada a operação, quando o sigilo não mais se justificava é que houve a sua publicação na íntegra. A referida ação do Governo envolveu todos os órgãos públicos, com destaque para a Polícia Militar e todos os órgãos da administração pública direta e indireta, autarquias e o Beron.

Procurei reviver os momentos de tensão do conflito que se instalou entre os dois Estados, tendo o Estado do Acre lutado em todas as frentes para que seu território se estendesse além do que foi definido na sua criação, episódio em que usou de todos os meios para que sua intenção prevalecesse. Foram dez anos de lutas e muita tensão, tanto no campo militar como político, sendo que a questão somente foi definida com a decisão final do Supremo Tribunal Federal. Foram anos de aguerrida luta e embates duros para que finalmente nosso território permanecesse intocável.

O relato certamente servirá para que no futuro os governantes tenham maior consciência dos direitos e obrigações que necessariamente devem ser observados nas relações entre os Estados dentro de um sistema jurídico sólido que, no caso, revelou o inafastável direito/obrigação de defesa de nosso espaço territorial de forma a serem rechaças iniciativas expansionistas destituídas de legalidade.

No livro relatei os acontecimentos como de fato ocorreram. Na noite do dia 12 de maio de 1989 saíram tropas de Porto Velho num cortejo de 98 viaturas. Eram quase setecentas pessoas, entre civis e militares, dente as quais estávamos com o Comandante da Política Militar, Coronel João Maria Sobral de Carvalho, e o Coronel Ferro, tendo como objetivo a retomada histórica da Ponta do Abunã. Os militares que integravam as tropas somente tomaram conhecimento da missão, denominada Operação Águia, quando de sua efetiva execução, sendo que até então pensavam se tratar de uma operação nas áreas de garimpo.

Nossa preocupação era com a possibilidade de vazamento da Operação, o que ensejaria fôssemos recebidos pelas forças militares do Acre. Havia enorme tensão e naquela noite não dormi. Houve apenas uma dificuldade: nossas viaturas tiveram problema de acesso à balsa existente no Rio Abunã. Foi necessário requisitar caminhões de uma empresa de extração de pedras daquela região, os quais acabaram sendo utilizados como meio de transporte dos militares que seguiram em comboio até a região de Extrema e Nova Califórnia. Concluída a travessia do Rio foi que se deu conhecimento da missão aos integrantes das tropas.

A intenção maior ao escrever o livro sobre a retomada da Ponta do Abunã foi não permitir que fatos tão marcantes da história do Estado de Rondônia caíssem no esquecimento. Não se pode privar as gerações futuras do conhecimento histórico sobre nosso Estado, inclusive em relação àquela dura, aguerrida e vitoriosa operação. Estão anotados os fatos que deveriam ser difundidos, de alguma forma, pelos órgãos da Administração Pública encarregados dos setores educacional e cultural, de promover os registros da nossa verdadeira história. É fato histórico que aquelas aguerridas pessoas corresponderam ao Comando e, com suas ações, não permitiram que Rondônia perdesse uma rica parcela de sua extensão territorial.

Foram inicialmente distribuídos de forma gratuita mais de 4.000 volumes da obra. Exemplares foram encaminhados a todos os órgãos do Governo Estadual, inclusive ao próprio Governador e seus Secretários de Estado, aos Deputados Estaduais e Federais, alem dos Senadores. Surpreendentemente, entretanto, não obtivemos qualquer resposta ou comentário que pudesse por fim ao silêncio, à ausência de interesse em divulgar os dez anos de luta na defesa do nosso território.

Nem sequer pelos dirigentes da Secretaria da Educação foi demonstrado interesse em acrescentar esta página significativa e importante para todos os rondonienses. Seria a mesma coisa que ignorar a Guerra do Contestado entre o Paraná e Santa Catarina ou a Revolução do Jenipapo no Piauí.

Devemos dar maior conhecimento e valor para os fatos que marcaram a formação deste Estado. A data da retomada da Ponta do Abunã, 13 de maio, por sua relevância deveria ser relembrada no calendário Estadual. A propósito, releva destacar que mudaram a data de 4 de janeiro, dia da instalação do Estado, para 22 de dezembro, dia da assinatura da Lei Complementar nº 41. Não observaram, todavia, que na realidade a publicação da Lei só ocorreu no dia 23 do mesmo mês, dia exato em que de fato e de direito foi criado o Estado de Rondônia.

No momento em que estamos prestes presenciar a criação do Município de Extrema de Rondônia, antiga e justa reivindicação dos habitantes daquela região, é importante lembrar que no passado houve uma ação valente de rondonienses que com sacrifício pessoal, suor e lágrimas, colocando em risco sua integridade física, lutaram muito para que a integralidade de nosso território permanecesse inalterada. É triste a percepção de que não há interesse dos agentes públicos que comandam os órgãos ligados à cultura e à educação em fazer constar nos compêndios literários e pedagógicos fatos marcantes de nossa história como a vitoriosa operação de retomada da Ponta do Abunã – O Braço Ocidental de Rondônia.

Quem sabe chegará o momento em que alguma autoridade constituída efetivamente reconhecerá o valor daqueles homens que, honrando com dignidade, sem açodamento ou maniqueísmo, mas com alto espírito público, a convocação que lhes foi feita, defenderam os interesses do Estado de Rondônia rechaçando as ilegítimas iniciativas do nosso vizinho Estado do Acre. São homens da nossa Polícia Militar, desde os seus valorosos soldados até seu Comandante, Coronel Carvalho, Coronel Zimmermann, Ten.-Cel. Lucena, Ten.-Cel. Ferreira, Ten.-Cel. Borre, defensores do Estado que agiram com responsabilidade e dedicação, coragem e serenidade, atributos sem os quais a presença da tropa na região seria desastrosa. Não se tem conhecimento de um ato sequer de indisciplina ou de comportamento irregular naquela Operação. Ficou o sentimento do dever cumprido de todos nós e do próprio Governador, devendo os atuais e futuros governantes manter firme e com a mesma determinação aquele território, assistindo ao seu povo de maneira efetiva e permanente.

Tadeu Fernandes
Advogado

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