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Irresponsabilidade compartilhada
Sexta-feira, 16 Maio de 2014 - 09:01 | David Nogueira
Outro dia, em festeiro final de semana, durante um bate-papo filosofal de boteco (aqueles oriundos após alguns goles de cerveja bem gelada) surgiu uma pergunta embaraçosa e profundamente constrangedora. Meu amigo Ricardo Cunha, um engenheiro nem tão conhecido assim, com os olhos pendurados pelos sopros etílicos vindo das inúmeras garrafas vazias disparou: “Eu conheço todas as capitais do Brasil... de norte a sul. Confesso nunca ter visto uma mais feia, esculhambada, maltratada e desamada do que a nossa querida Porto Velho”. Rapidamente, alguns discípulos de Baco começaram a enumerar as capitais passíveis de serem colocadas na parte traseira dessa fila maldita... A discussão não prosperou mais do que alguns suspiros, pois a constatação do fato acabou unindo as opiniões de todos os presentes naquela mesa encharcada.
2. Existe amor, mas...
Não obstante o sentimento de carinho pela cidade ter unido a quase todos, naquelas falas doídas sobre a triste constatação do óbvio, notava-se um inexplicável amor pela city. Apesar disso, a oportunidade foi perfeita para o despejar de impropérios de vários calibres contra os prefeitos que por estas bandas passaram e deixaram suas marcas, feridas e cicatrizes. Da década de 80 para cá, não se poupou ninguém, muito menos suas gloriosas mamães. Mas esse é um ônus a ser pago não apenas pelos inquilinos do famoso Palácio Municipal Tancredo Neves. Ele se estende até ao Palácio Getúlio Vargas e com muita razão. Durante bastante tempo, as cidades tinham prefeitos nomeados pelos governantes de plantão e, principalmente, era o Governo do Estado detentor de praticamente o único cofre endinheirado da região. O processo eleitoral de 1982, todavia, mudou tal panorama, muito embora a qualidade das escolhas populares ainda se encontrem em processo de depuração.
3. Chamem o Odair José!!! (alguém sabe o motivo?)
A despeito da pinga, é necessário tecermos algumas reflexões antes de espetarmos todos os pregos pontiagudos e enferrujados nas mãos estendidas dos administradores locais. Será toda deles a culpa deste nosso pequeno caos e da vontade que eles nutrem em possuir o alheio? A cidade de Porto Velho sofreu uma explosão demográfica como poucas neste país. Em 1970, nestes rincões viviam 84.048 pessoas na tranquilidade do isolamento amazônico. Uma década depois (1980), esse número passou para 133.882, ou seja, ocorreu um crescimento de 59,29%, cuja causa não foi o aumento da libido tupiniquim. Em 1990, esse número atingiu 287.534, estimando-se assim uma elevação percentual para 53,43% em outra animada década demográfica. Em 2000, o número de habitantes era de 334.661, havendo ocorrido um acréscimo de pessoas mais modesto, estimado em 14,08%. Em 2010, último censo realizado pelo IBGE, o número de criaturas bateu na casa de 428.527. Um aumento de 28,04%, cuja mola propulsora não foi apenas também, pelo que se comenta, as intensas atividades de alcova.
4. O que aconteceu de diferente lá?
Em 40 anos, a população desta cidade cresceu 409,04%... Dá para pensar numa explosão demográfica dessa magnitude? No mesmo período, a população do Brasil saiu de 90,2 milhões para 190,7 milhões, ou seja, um forte aumento de 111,4%. Não vou pitacar sobre as diversas causas desse fenômeno, mas apenas registrar o fato e convidar o leitor a um exercício arquitetônico. Como organizar e oferecer serviços públicos de qualidade a uma realidade como essa? A incompetência da classe política tem sido decisiva nesse processo de construção da paisagem de terror captada pelos nossos olhos nas turnês pelos bairros desta cidade. Voltando ao engenheiro Ricardo Cunha, nossas memórias relatavam um fato revelador. Na década de 80, as cidades de Macapá, Boa Vista e Rio Branco, você pode não acreditar, caro e único leitor, eram bem mais feias, acabadas e maltratadas do que a fervilhante Porto Velho. O que aconteceu de diferente na organização política daquelas cidades, permitindo um avanço muito maior do que o nosso e, consequentemente, nos empurrar para a rabeira da fila da feiura?
5. Nossa, eu vou fazer algo!
Uma coisa é certa, nosso processo educacional coletivo foi um desastre total. As pessoas não foram educadas para atos solidários de cidadania. Há um pensamento meio grupal de que o ambiente da cidade é responsabilidade única e exclusiva do poder público. As pessoas não veem a cidade como sua... extensão de suas moradas. Dessa forma, não capinam a frente de casa e não limpam a calçada ou o quintal de suas residências com carinho. Muitas, sentem-se no direito de criticar o entupimento dos bueiros logo após jogarem um copo plástico na rua. É comum ver Caras Pálidas (com focinhos de porco) jogando lixo nos terrenos abandonados por outros suínos de igual calibre. Há um pacto generalizado se articulando e agindo silenciosamente pela feiura da urbe. Um círculo vicioso degenerativo impulsionando a todos nós para a mediocridade social. Minha cidade e eu não queremos a classificação de “última” da fila... sacanagem!!!