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O Brasil de todos nós: Raposa Serra do Sol - Por Zelite Andrade Carneiro

Quarta-feira, 29 Abril de 2009 - 12:53 | Zelite Andrade Carneiro


O Brasil de todos nós: Raposa Serra do Sol - Por Zelite Andrade Carneiro
O tom de hoje contém uma única nota. O ritmo embala as profecias do sertanista Orlando Villas Boas. Talvez a crônica de uma só frase demonstre o retrato dos conflitos criados no Território de Roraima. Ou, quem sabe, nossa “pátria amada” esteja transformando os seus filhos, que há décadas habitam na reserva Raposa Serra do Sol, em grileiros e estrangeiros dentro de sua própria casa.



A complexidade do caso está na escolha de um único lado e também da divisão em castas privilegiadas. Como definir quem é brasileiro de verdade? Como alegar a legitimidade dos índios e dos não-índios? Não se trata apenas de mais um conflito entre índios e arrozeiros; estamos falando de um assunto de interesse nacional. O governo ofereceu aos 17 mil índios da Raposa Serra do Sol, de etnias diferentes, uma área contínua de 1,7 milhão de hectares. Hoje o Brasil tem aproximadamente 600 terras indígenas, 227 povos, chegando ao total de 480 mil habitantes. Os indígenas ocupam 27% da Amazônia Legal, que inclui os Estados de Tocantins, Mato Grosso, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Acre e Amazonas. De acordo com o general do exército Augusto Heleno de Freitas, especialista em Amazônia, a cobiça internacional não se manifesta em ações claras, mas dissimuladas e pouco transparentes. “Fica difícil entender por que pouquíssimas ONGs dedicam-se a socorrer a população nordestina enquanto centenas delas trabalham junto às populações indígenas”, afirmou o general Heleno em entrevista ao programa “Canal Livre”, da Band - em abril de 2008. Declarações de especialistas em Amazônia, como o general Heleno, demonstram que o formato definido na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 18 de março, em manter a demarcação em faixa contínua da reserva Raposa Serra do Sol, evidencia a vulnerabilidade do Brasil, diante de interesses externos, embora, tenho a absoluta certeza, o julgamento não tenha tido esse propósito.

Na sua linha de pensamento, disse que a orquestra seria regida no tom da incompetência do Brasil para cuidar da nossa Amazônia. Villas Boas foi além disso, em seus discursos foi categórico ao afirmar que um “tsunami” estava por vir, quando alguns índios de destaque, de diversas etnias da região, fossem para América, voltassem falando inglês e tomados pela política. O estopim, apontado pelo sertanista, era o conflito nas terras de Roraima (localizada nas fronteiras com a Venezuela e a Guiana) e também um pedido dos Ianomâmis para se desmembrarem do Brasil, tendo a Organização das Nações Unidas (ONU) como tutora.

A complexidade do caso está na escolha de um único lado e também da divisão em castas privilegiadas. Como definir quem é brasileiro de verdade? Como alegar a legitimidade dos índios e dos não-índios? Não se trata apenas de mais um conflito entre índios e arrozeiros; estamos falando de um assunto de interesse nacional. O governo ofereceu aos 17 mil índios da Raposa Serra do Sol, de etnias diferentes, uma área contínua de 1,7 milhão de hectares. Hoje o Brasil tem aproximadamente 600 terras indígenas, 227 povos, chegando ao total de 480 mil habitantes. Os indígenas ocupam 27% da Amazônia Legal, que inclui os Estados de Tocantins, Mato Grosso, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Acre e Amazonas. De acordo com o general do exército Augusto Heleno de Freitas, especialista em Amazônia, a cobiça internacional não se manifesta em ações claras, mas dissimuladas e pouco transparentes. “Fica difícil entender por que pouquíssimas ONGs dedicam-se a socorrer a população nordestina enquanto centenas delas trabalham junto às populações indígenas”, afirmou o general Heleno em entrevista ao programa “Canal Livre”, da Band - em abril de 2008. Declarações de especialistas em Amazônia, como o general Heleno, demonstram que o formato definido na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 18 de março, em manter a demarcação em faixa contínua da reserva Raposa Serra do Sol, evidencia a vulnerabilidade do Brasil, diante de interesses externos, embora, tenho a absoluta certeza, o julgamento não tenha tido esse propósito.

O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, disse que o resultado do julgamento servirá como parâmetro para outras demarcações em fronteiras com a participação do Estado. “O desenho sobre o novo estatuto para a terra indígena valerá para o caso Raposa Serra do Sol e também balizará as questões em andamento". Por 10 votos a um, o Supremo manteve a demarcação da reserva. Apenas o ministro Marco Aurélio de Mello foi contra a decisão, por acreditar que o processo de demarcação presume a participação de diversos interessados. Durante as seis horas de leitura das 120 páginas do seu voto, o ministro sugeriu que o processo fosse extinto. Apontou falhas na ação, alegando omissões de averiguação pelo STF no processo da demarcação. O ministro foi além, dizendo que foi desobedecida a legislação, ao não serem ouvidas todas as partes envolvidas.

Compreendo o voto do ministro como a tradução de um olhar humano diante da situação caótica provocada pela demarcação. O ministro foi leal aos seus princípios e desafiou os interesses envolvidos no caso. Ele fez sua parte, mas o fogo na floresta não foi contido; mesmo assim, sua ideologia permaneceu no seu voto, com fundamentos jurídicos e humanistas.

O artigo de Aldo Rabelo, deputado federal pelo PCdoB-SP, intitulado “O erro em Roraima”, ironiza, dizendo que até as pedras sabiam que o Supremo iria agredir a formação social brasileira, ao expulsar os não-índios: “{...} a decisão correta a tomar era acomodar os direitos de índios (incluindo os que são contra a demarcação da reserva em área contínua e apoiam a presença de arrozeiros) e de outros brasileiros que lá se estabeleceram, no modelo secular de ocupação do território. É um truísmo reconhecer que os nordestinos, goianos e gaúchos que arribam para a Amazônia repetem a epopeia dos bandeirantes, e sua presença não significa um esbulho dos direitos indígenas. Até as pedras sabiam que nesses conflitos intestinos não pode haver derrotados, e só se admite um vencedor: a Nação e os interesses permanentes de seu povo”.

Quando falamos da retirada dos não-índios, falamos de pessoas que ali nasceram e construíram os seus sonhos, sua vida e depositaram um mar de esperanças em dias melhores. Esses brasileiros são vítimas da ausência do Estado e da falta de projetos sustentáveis. São pessoas com mais de 90 anos, brasileiros que desbravaram a Amazônia e hoje são expulsos das suas casas sem explicação concreta. Tal atitude reflete gritante dualismo, pois, se de um lado emergimos de um conceito de independência e imparcialidade em face dos índios, de outro imergimos na conclusão de que não sabemos gerenciar a situação dos não-índios que habitam naquelas terras e sempre conviveram de forma fraternal com os povos indígenas. A disputa por uma fatia farta da Amazônia faz com que os interesses externos estrangulem o potencial brasileiro e causem desunião entre o seu povo multiétnico. Vivemos num país democrático, mas acabamos surpreendidos com armadilhas provocadas por interesses escusos. Para o sociólogo Demétrio Magnoli, no artigo “Roraima é aqui”, o caminho traçado pela demarcação será maculado por recurso de violência entre os índios e os não-índios. Ele salienta que a criação de uma nação indígena em Roraima levanta questões importantes quanto à demarcação na reserva e à permanência, do lado de dentro, das ONGs internacionais, missionários e índios: “há ‘nações indígenas’ distintas da nação brasileira? A pergunta carece sentido, pois nações não existem na natureza, como rio e montanhas, mas são inventadas na esfera da política. Os índios ‘originais’ não podem ser restaurados, mas sempre é possível inventar, debaixo dos escombros da idéia da nação única, ‘nações indígenas’ pós-modernas, financiadas por instituições multilaterais e lideradas por coalizões de ativistas bem conectados e índios globalizados”.

Não precisamos ir muito longe para enxergar o caos provocado por interesses internacionais. Como presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia, pude conhecer a realidade da reserva indígena Karitiana, localizada a 100 quilômetros de Porto Velho. Fiquei convencida dos estragos causados por ONGs que usufruíram da influência internacional para abrir o cerco para a biopirataria, entre outros crimes. Também pude ver que os índios estão sendo beneficiados com a modernidade do nosso século. Na aldeia, existem geladeira, televisão, rádio e inúmeros aparelhos eletrônicos. Hoje os índios estão aculturados e usufruem dos benefícios da cultura dos não-índios. Em algumas horas de conversas com o cacique da aldeia central, Antônio Karitiana, ouvi relato de que inúmeras organizações estiveram lá e colheram sangue dos indígenas, sob a condição de trazer remédios para a tribo. Enfurecido, o cacique alega que a promessa nunca foi cumprida, e, por isso, nenhuma ONG tem permissão para entrar na reserva Karitiana. No dia 21 de junho de 2007, o jornal “New York Times” publicou uma reportagem denunciando a venda de sangue e DNA dos Karitianas por uma empresa americana. Logo após a minha primeira visita à aldeia, os índios fizeram um pedido de doação de computadores para a comunidade. No dia da entrega da doação, o administrador da Associação Karitiana, Renato Karitiana, ressaltou que os computadores doados pelo Judiciário de Rondônia vão levar a inclusão digital para a comunidade: “Os computadores chegaram em boa hora. Vamos utilizá-los para organizar os documentos que contam nossa história e também fazer com que os nossos índios se tornem globalizados". A doação ganhou repercussão nacional e me fez refletir sobre a visão e a missão do Judiciário em oferecer à sociedade acesso de qualidade à Justiça, solucionando conflitos com rapidez e garantindo a paz social. Estou convencida da dívida com a nossa história indígena, mas não posso calar-me diante da violência que está sendo articulada contra brasileiros dentro do seu território. Sinto a mesma indignação causada pelo crime contra os índios Karitianas. Posso afirmar que os não-índios da Raposa Serra do Sol são tão brasileiros quanto os índios Karitianas.

Posso dizer que os moradores de Roraima atingidos pela decisão judiciária estão marcados por toda vida. Sou roraimense nascida na região do rio Cotingo, hoje Raposa Serra do Sol, e lá construí os meus sonhos, constituí família e idealizei um Estado promissor. Amo minha terra, minha gente e demonstro, neste momento, minha indignação diante dos fatos ocorridos. Não seria necessário um provimento judicial, mas um gerenciamento oportuno, imparcial e preventivo. Nossos índios são aculturados. Sinto saudade daquela época em que índios e não-índios dividiam, em plena harmonia, o mesmo espaço, o mesmo ar e a mesma terra. Muitas famílias já deixaram o local e hoje estão na cidade perdidas em tristeza. O STF é guardião da Constituição Federal. Sua decisão deve ser respeitada, e a ela nos curvamos, embora com o coração destruído. Termina no dia 30 de abril o prazo final para a retirada dos arrozeiros e fazendeiros da Raposa Serra do Sol.

O cerco está fechado!

O arroz não está pronto para colheita. Seria oportuno um prazo maior do que o estipulado na decisão. Todos os investimentos serão perdidos? São mais de 15 mil cabeças de gado pelos pastos da reserva! E a pergunta crucial é: Para onde vão todas as pessoas?

São questões que atormentam os proprietários e todos os cidadãos brasileiros. É justo?

A autora é presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia e Cidadã brasileira
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