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STF e a democracia no comando dos partidos políticos

Segunda-feira, 13 Fevereiro de 2023 - 14:24 | Edirlei Souza


STF e a democracia no comando dos partidos políticos

A existência de partidos políticos decorre do fundamento basilar da Constituição da República do Brasil de 1988 (CRFB/88): pluralismo político.

E foi nessa tônica que o constituinte originário reservou um capítulo exclusivo dentro do Título: “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” para os partidos políticos.

O §1º do art. 17 da CRBF/88 estabelece expressamente que: “é assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento”.

Entretanto, essa autonomia não é absoluta, isto é, irrestrita a ponto de deixar o grêmio partidário livre para agir da forma que melhor lhe interessar. Digo isso porque o mesmo art. 17 determina as balizas a serem observadas pelo partido: a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana, caráter nacional, proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes, prestação de contas à Justiça Eleitoral e funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

Como se nota, um dos elementos que norteia as ações partidárias é o respeito ao regime democrático, ou seja, à democracia, cuja palavra tem origem no grego: demos (povo) kratos (poder).

Com efeito, o partido deve estabelecer suas ações, seja no âmbito interno ou externo, pautado no respeito à vontade da maioria.

O nascimento de um partido decorre da união de um grupo de pessoas com pensamentos convergentes acerca de um ideal político. A formalização inicial da grei começa com a aquisição de personalidade jurídica, materializada por meio do protocolo de um requerimento, no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, subscrito por no mínimo 101 eleitores chamados de fundadores, com domicílio eleitoral em, no mínimo, 1/3 (um terço) dos Estados brasileiros, o que lhe garante a existência jurídica (Art. 8º da Lei n. 9.096/1995). O passo seguinte é garantir o apoiamento mínimo de eleitores, correspondente a 0,5% dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos em 1/3 dos Estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado que haja votado em cada um deles (§1º do art. 7º da Lei n. 9.096/1995). Em seguida, deve constituir diretórios estaduais em 1/3 dos Estados e, por fim, registrar seu estatuto no TSE.

Como visto, pela própria natureza do partido, a sua formação decorre da conjugação de vontades de um mínimo de eleitores e, via de consequência, é natural que tanto as ações a serem tomadas pelo partido por meio dos seus dirigentes como representantes do grêmio político como as decisões internas do partido devem ser norteadas pela vontade da maioria que o integra.

E foi com base nessa premissa que o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da ADI6230/DF, declarou, em 08/08/2022, inconstitucional o §2º do art. 3º da Lei n. 9.096/1995 (“O prazo de vigência dos órgãos provisórios dos partidos políticos poderá ser de até 8 (oito) anos.”).

Mas o que são órgãos provisórios dos partidos? Nos termos da previsão constitucional, cada partido político deve definir quem são seus dirigentes, conforme as regras determinadas em seu estatuto.  Como regra, pelo princípio democrático, a escolha dos dirigentes deve passar pelo crivo dos integrantes da grei partidária. Contudo, diante da urgente necessidade de formação e funcionamento do partido, em todas as esferas (nacional, estadual ou municipal), é que surge a necessidade da instituição de forma precária de um grupo de comando até a definição dos dirigentes partidários regularmente eleitos nos exatos contornos das regras estabelecidas no estatuto.

Registra-se que antes da vigência da Lei n. 13.831/2019, que alterou a Lei n. 9.096/1995, não havia previsão legal fixada pelo legislador ordinário de um prazo de validade dos órgãos partidários provisórios. A partir dessa lei é que passou a existir o prazo legal de até 8 anos.

Ante a lacuna legislativa e a imprescindibilidade de garantira da democracia interna, o TSE estabelecia por meio de resolução o prazo máximo de vigência dos órgãos partidários. Na sua última previsão normativa fixou a validade de 180 (cento e oitenta) dias, com possibilidade de prorrogação pelo tempo necessário à realização da convenção para escolha dos novos dirigentes (Art. 39 da Resolução TSE n. 23.571/2018). Todavia, com a novidade legislativa, o TSE adaptou sua norma ao prazo de 8 anos.

Para o STF, o referido prazo desnatura o caráter provisório do órgão partidário, pois autoriza a perpetuação dos mandatos, ferindo de morte o princípio da alternância do poder, por meio de eleições periódicas em prazo razoável.

O Ministro Relator Ricardo Lewandowski afirmou em seu voto que “A autonomia partidária foi concedida aos partidos políticos com a intenção de fortalecer o regime democrático e o princípio republicano, não de enfraquecê-los. E aqui se coloca a problemática das comissões provisórias que se perpetuam. O que é provisório não é eterno; o que é temporário, não pode ser permanente; o que é efêmero, não é duradouro. As palavras têm significado, e o intérprete constitucional não pode ignorar o léxico.”

Noutro trecho do seu voto o relator ressalta que “dada sua temporariedade, como o próprio nome indica, as comissões provisórias normalmente são compostas por pessoas indicadas pela direção do partido, por vezes mediante sucessivas e intermináveis reconduções, e não eleitas por seus pares. Sua permanência no tempo produz o efeito prático de minar a democracia interna.”

Nesse contexto, de fato a fixação do mandato dos órgãos provisórios por até 8 anos fere de morte a democracia interna necessária dentro das agremiações, sobretudo porque neste interregno é possível ocorrerem ao menos três eleições.

Tendo em vista que a inconstitucionalidade foi declarada quando já iniciado o processo eleitoral de 2022, o STF resolveu modular a decisão para que produzisse efeitos a partir de janeiro de 2023. 

De acordo com conclusão do julgado, cabe à Justiça Eleitoral a análise no processo de registro do estatuto de cada partido ou quando demandada uma questão no caso concreto acerca da constitucionalidade ou legalidade do prazo de vigência dos órgãos provisórios dos partidos.

Na prática, considerando que o STF deixou nas mãos da Justiça Eleitoral a verificação da razoabilidade da validade dos órgãos partidários, acredito que o TSE deverá retomar o prazo de 180 dias que havia fixado anteriormente na Resolução TSE n. 23.571/2018.

Em Rondônia, por exemplo, conforme consulta extraída do Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias (SGIP) da Justiça Eleitoral, temos 14 partidos/federações com órgão provisório estadual, sendo a maioria com vigência que ultrapassa um ano.

Com efeito, entendo que cabe a cada partido ajustar, de ofício, o tempo de mandato dos órgãos provisórios a partir de janeiro de 2023 ao referido prazo já assinalado pelo TSE, antes que sejam demandados judicialmente.

Edirlei Souza -  rondoniense, professor, graduado em Direito, pós-graduado em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral e em Comunicação Pública e servidor público federal.

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