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Tendência: o processo civil se tornará mais caro
Quarta-feira, 28 Dezembro de 2016 - 10:01 | Por Hélio Vieira e Zênia Cernov
Sempre que o poder público se torna ineficiente, a solução adotada não é a melhoria na qualidade da prestação de seus serviços, mas sim um meio de afastar o cidadão do acesso a eles. Outra não foi a solução adotada em nosso país quanto ao problema da lentidão do Poder Judiciário.
As alterações implementadas pelo novo CPC e o aumento das custas judiciais, que vem ocorrendo gradativamente por todo o país, trazem em si uma finalidade muito clara: litigar, no Brasil, passará a custar caro. Com o tempo, isso determinará uma sensível redução na litigiosidade e, claro, na proteção aos direitos do nosso povo.
É certo que o processo civil nunca foi tão dispendioso a ponto de inibir o cidadão de bater às portas do Judiciário para buscar a solução para seus conflitos. As custas processuais, na maioria dos casos, além de não serem muito altas, ainda podiam ser facilmente dispensadas pelo simples pedido de assistência judiciária. Os honorários de sucumbência, fixados entre 10 e 20% do valor da condenação em uma única vez, ainda podiam ser “arbitrados” pelo juiz sem um critério muito objetivo (e efetivamente a advocacia experimentou uma triste realidade de fixação de honorários irrisórios em detrimento da nobreza da profissão). O beneficiário de assistência judiciária, se perdesse a demanda, era dispensado do pagamento da sucumbência.
De fato, ao Autor da ação os riscos de ter sua pretensão indeferida eram pequenos: 10 a 20% sobre o valor da causa, que era livremente estimado em valores de pouca expressão. Ou despesa alguma, se fosse beneficiário da assistência judiciária. Isso causou, por outro lado, uma consequência nociva: para a parte ré, os riscos eram de um acréscimo de 10 a 20% sobre o valor da condenação (na maioria das vezes os magistrados ainda fixavam a sucumbência em patamares bem inferiores a esse) e, como contrapartida, o benefício de protelar o cumprimento da sentença por delongados anos através de sucessivos recursos. Ou seja, até mesmo investir o valor a ser dispendido com a demanda era mais lucrativo do que pagar imediatamente, devido à lentidão do Judiciário.
Isso causou em nosso país uma proliferação de ações judiciais, aventuras jurídicas sem muito fundamento e o costume de recorrer enquanto houvesse um recurso processualmente cabível, abarrotando o Poder Judiciário e contribuindo mais ainda para sua lentidão. No entanto, para evitar a litigiosidade excessiva e a má prestação jurisdicional, as soluções adotadas passam longe de somente tornar o processo mais rápido: começam por torna-lo mais caro.
Entre as alterações do CPC, destacamos algumas importantes:
a) o valor da causa não será mais aleatoriamente estimado, deverá a parte Autora apresentar cálculos ou delimitar o valor exato de sua pretensão, e sobre este recolher as custas iniciais para dar início ao processo, podendo o juiz, inclusive, redimensiona-lo de ofício (art. 292);
b) os honorários de sucumbência não podem mais ser arbitrados em valores irrisórios, serão acrescidos de honorários recursais e, ainda, de honorários da fase de cumprimento, sempre calculados sobre o valor da condenação, o que aumenta – e muito – o prejuízo que a parte vencida terá se continuar a protelar o processo (art. 85, § 1º);
c) o beneficiário de assistência judiciária não fica mais isento dos honorários de sucumbência, se perder a demanda; apenas a sua exigibilidade ficará suspensa, podendo o advogado, dentro de cinco anos, provar que a situação de insuficiência se modificou e executar a sucumbência; além do mais, o juiz passa a ter a opção de apenas parcelar as despesas processuais, ao invés de dispensá-las totalmente (art. 98, §§ 3º 6º).
Tecnicamente, são avanços? Sim, pois tendem a valorizar a advocacia ao mesmo tempo em que evitam os recursos meramente protelatórios. Tendem a inibir as ações aventureiras. Mas, se a advocacia teve uma primeira reação positiva, comemorando a importante elevação da sucumbência, no futuro irá notar a redução da quantidade de demandas judiciais, um efeito danoso desse aumento das despesas.
Ainda mais: paralelamente a isso, o Poder Judiciário, em vários Estados, vem promovendo alterações em seus regimentos de custas e elevando consideravelmente as despesas processuais. A título de exemplo, já elevaram a tabela de custas os Estados de Rondônia, Paraná, Ceará, São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul, entre outros.
Disso resulta que o cidadão que teve seu direito violado experimentará uma triste realidade: além do prejuízo que teve com o ato ilegal, em si, também terá que dispender seus recursos próprios para dar início à proteção de seu direito, e não será pouco. Isso não inibirá somente as ações aventureiras, acabará por inibir também o enganado, o humilhado, aquele que sofreu um dano em seus direitos patrimoniais ou extrapatrimoniais. Receosos de pagar por uma prestação jurisdicional cara, lenta e incerta, os cidadãos de personalidade mais pacífica irão optar pelo conformismo; os de personalidade vingativa irão optar por fazer sua própria justiça, a seu modo.
O Brasil experimenta tempos difíceis, em que os Poderes Executivo e Legislativo estão gravemente desacreditados. A cidadania outrora enxergava no Judiciário a imagem do protetor dos direitos, guardião da cidadania e o castigo dos criminosos. Hoje, nem tanto. Na medida em que seu acesso a essa proteção é diminuído, a população fica com a impressão de que a Justiça está lhe virando as costas, e esse poder institucional também perde gradativamente sua credibilidade.
* Os autores são advogados em Rondônia