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Mães órfãs: mulheres falam de dor e saudade após perderem filhos em acidentes de trânsito; vídeo
Domingo, 13 Maio de 2018 - 11:30 | da Redação
“Toda mulher quer sempre ser mãe, eu acho. O meu desejo era ser mãe”, diz Francisca Pereira Muniz, de 72 anos, mãe de seis filhos. Moradora de Porto Velho, ela teve o primeiro filho aos 16 anos de idade, quando casou no estado do Amazonas. Desde então, a vida já lhe surpreendeu bastante, deixou marcas visíveis e outras nem tanto, apagou lembranças da memória, mas uma, ela não consegue esquecer: a morte precoce do filho e do neto, vítimas de acidente de trânsito em 2013.
“O Fabiano era muito conhecido. No dia do velório eu não vi chegar o caixão, não vi nadinha. No outro dia, quando acordei, falei para o meu marido que tinha sonhado que o Fabiano tinha morrido, ele perguntou: tu não se lembra? Eu disse que não, ai ele disse que não foi sonho, ele tinha morrido de verdade”, relembra Francisca.
Fabiano Muniz Magalhães era enfermeiro. Ele morreu em um acidente na manhã de 29 de julho de 2013, uma segunda-feira, ocorrido no quilômetro 484 da BR-364, há 30 quilômetros de Ariquemes. À época, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou que o carro da vítima colidiu frontalmente com outro automóvel que seguia no sentido oposto. Segundo Francisca, Fabiano retornava para Porto Velho após passar um fim de semana em Cacoal com os dois filhos e uma namorada. Leonardo Magalhães, à época com 18 anos, morreu junto com o pai no acidente.
“Daquele dia em diante começou a minha tristeza. Ele foi a um passeio com dois filhos e uma mulher que estava tendo um relacionamento. Ele foi no sábado de madrugada e ia voltar domingo à tarde, mas ligou dizendo que só voltava na segunda cedo para trabalhar e os meninos irem para o colégio. Na época, eu ia fazer uma cirurgia no olho, sai da casa para ir na clínica tirar um aparelho do último exame pré-operatório, mas no meio do caminho desisti e voltei pra esperar o Leo, meu neto, pra ir comigo. Já estava certo que ele me acompanharia”, lembra.
Ao retornar para casa depois de desistir esperar pela chegada do filhos e dos netos, Francisca diz que sua funcionária avisou que uma mulher estava desesperadamente para ela. Era a irmã de Francisca pergunto pelo sobrinho. “Eu disse que ele estava viajando, mas já estava perto de chegar. Foi ai que ela me falou que o Fabiano sofreu um acidente. Nessa hora fiquei muito triste e saí correndo pra ir para o (Pronto-Socorro) João Paulo II. Quando cheguei lá, ninguém me dizia que ele já estava morto, me deram remédio e eu dormi lá mesmo. E não vi nem ele chegar. O caixão veio fechado”, recorda-se.
Os detalhes do acidente, Francisca sabe de ouvir falar. O consolo é com o neto, Lucas, que apesar de estar no carro, sobreviveu e é criado pela avó. “O Lucas ficou desmaiado dentro do carro. Ele ficou três meses de cadeira de rodas e hoje é um menino sadio, não sente mais nada, só a falta do pai dele. É um menino muito bom, estudioso, inteligente. Aqui em casa somos só eu e ele”, diz.
Francisca relembra ainda que a nora, mãe de Lucas, sofreu um infarto e morreu. Três dias antes de completar um ano, filho e neto morreram no acidente. Há pouco tempo, Francisca ficou viúva, pela segunda vez.
“Eu peço a Deus que nunca dê a dor que eu sinto para nenhuma mãe. A dor que eu passei e a dor que eu passo até hoje, porque é muito triste. A gente vê o filho sair de casa, alegre, satisfeito, sadio, e voltar aos pedaços. É muito triste. Nenhuma mãe quer perder um filho. A gente quer ter 10 filhos, mas não quer perder nenhum. Não tem remédio que passe. A gente nunca esquece, a gente se acostuma, mas a falta é todo dia. Todo dia a gente lembra do filho da gente. Tenho foto dele por todo canto. A gente sempre quer que os filhos enterrem a gente, não a gente enterrar os filhos, mas eu já enterrei meu filho, meu neto, é uma tristeza que vai morrer comigo. É a dor, é saudade, era um filho família, do bem, gostava de ajudar as pessoas”, lamenta Francisca.
A idosa tem outros filhos. Mas devido às perdas, o Dia das Mães é de saudades, de olhar as fotos do filho espalhadas pela casa e recordar. “O Dia das Mães é muita tristeza. Não tem mais aquela animação. Nem comemoro mais. Porque dia de domingo ele estava aqui com os filhos, com a mulher, depois ele estava aqui dentro de casa. Também falta meu neto. Ele também perdeu a mãe. É só saudade agora”.
Sobre o trânsito, a mãe faz um alerta. “A pessoa bebe não sabe nem o que faz, as vezes a pessoa mesmo se mata e ainda tira a vida de outras pessoas. Quem bebe e vai dirigir está procurando se acidentar”, alerta.
Acidente em Porto Velho
A dor de Dalva Chaves é mais recente. O filho dela, Thiago Patrício Chaves, de 26 anos, foi mais uma vítima da violência do trânsito de Porto Velho. Motociclista, ele foi atingido por um motorista alcoolizado e sem habilitação que não respeitou a preferencial. Era fim da noite de sexta-feira, 14 de julho de 2017, e Thiago retornava do cursinho para casa pela Avenida Campos Sales, mas ao se aproximar da Rua Afonso Pena, no centro da capital, não conseguiu frear e acabou batendo fortemente na lateral do carro, sendo jogado a vários metros de distância.
“Deu 23h30 e ele não chegou. Começamos a ligar, chamava e ninguém atendia. Meu marido saiu para dar uma volta de carro, mas não o encontrou. Também não sabia onde procurar. Ficamos aqui, também o irmão dele. Todo mundo ligando para conhecidos, mas não conseguia nada. Ficamos acordados até 1h30 já de sábado e quando me ligaram, já era do hospital pedindo que eu fosse que o Thiago estava lá. Até brinquei, ele deve estar todo lascado, foi acidente. Demoraram para atender a gente, uns 40 minutos. Aí veio um médico falando que ele teve três paradas cardíacas e não tinha resistido. Eu pedi pra vê-lo. Foi o tempo que fui assinar os documentos para doação de órgãos. Só sobraram os olhos mesmo porque os outros órgão estavam todos danificados, porque a batida foi muito forte”, conta Dalva.
Do hospital, ela saiu, registrou ocorrência da delegacia, correu atrás dos preparativos para o velório e ainda resistiu ao enterro. “Foi uma jornada muito louca e difícil, dolorosa, mas tive que fazer”, afirma Dalva recordando-se que ficou anestesiada ao saber na notícia, não conseguia chorar. “Eu acho que foi o Espírito Santo que me deu muita força. Eu tive força para vê-lo na pedra, para correr atrás de tudo, para recepcionar o pessoal, foi tanta força que eu não sei de onde saiu. Depois de um mês é que a ficha começou a cair. Aí eu comecei a descobrir que eu estava entrando em depressão. Eu sai do meu trabalho, me aposentei, e me dediquei mais a igreja. A gente tem escolhas na vida, não é? E a minha escolha é que eu tenho que continuar, eu tenho mais um filho. Eu preferi sair do trabalho e me dedicar a coisas que eu estava parada”, afirma.
Hoje Dalva faz na aula de música, participa de coral, aula de canto. As coisas do filho, ela deixou em família mesmo. As fotos guarda de recordação. A persistência em seguir a vida é para continuar mantendo vivo o sorriso do filho que sempre a viu como uma mulher guerreira, batalhadora. “Ele sempre dizia: ‘Tem poucas Dalvinhas no mundo iguais a você, mulheres que trabalham, lutam, são guerreiras. Quando eu tive ele, eu era mãe solteira. Quando ele estava com dois anos foi que me casei. Mas ele sempre que conheceu assim, guerreira. Fiz uma faculdade trabalhando, fiz uma pós trabalhando. Nunca tive medo de nada não e ele me conheceu assim”, destaca a mãe.
Nessa segunda-feira, dia 14 de maio, completam dez meses que Thiago morreu, deixando uma mãe órfã. É também no outro filho, André, que ela encontra forças para não desanimar. Este será o primeiro Dia das Mães sem o filho e não tem como esconder a dor que ainda sente.
“É sempre uma saudade eterna. Eu ainda estou na dor, mas eu creio que daqui a mais algum tempo essa dor vai se transformar em saudade. Eu não quero dor eterna, eu quero saudades, lembranças boas eternas. Esse ano, ainda vou sentir muita dor, mas minhas orações estão sendo ouvidas, e vai chegar o tempo em que eu só vou ter muita saudade”, acredita.
Sobre a dor, ela diz que não tem como explica, pois tudo ainda é muito recente, as recordações ainda estão muito fortes. “É imensurável! Só quem sabe é quem passa por ele. Quem tem um filho que morreu, mas que não foi na mesma maneira que eu perdi o Thiago, acho que não tem a mesma dor, porque Thiago saiu para estudar. E quando voltava já levaram a vida dele. Quando eu vi já estava morto. Então, ele saiu pra estudar e voltou no caixão. Só quem perde um filho assim é que sabe o quanto é doloroso”, chora a mãe.
O mês de maio em todo o país é voltado para ações de conscientização no trânsito, o Maio Amarelo. Dalva Chaves pede que as pessoas prestem mais atenção ao dirigirem. “Porque não tem nada que pague uma vida, principalmente um filho. Tenham cuidado quando estão no trânsito, mesmo que esteja o sinal aberto ou fechado. Esse rapaz cortou uma preferencial em alta velocidade, e ainda estava embriagado, sem documento. Mas se ele estivesse devagar, teria dado tempo frear. Cuidado a noite, cuidado nas preferenciais, nos sinais, ruas que não dá para ver. Porque acontece isso, a vida não tem como voltar atrás. E fica só a dor. E a dor é para os dois lados. Eu creio que os pais desse rapaz que cometeu isso também estejam com dor. Porque o filho deles cometeu um assassinato. Porque isso é um assassinato. Quando você atravessa uma via, uma preferencial em alta velocidade, embriagado e sem documentação nenhuma, você está propício a cometer isso que ele cometeu. Então, isso para mim não foi nem um acidente, isso foi um assassinato”, finaliza a mãe destacando que as pessoas que receberam os órgão doados, as córneas, que “essas duas pessoas enxerguem o mundo como ele enxergava, de maneira muito bonita”.